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18/10/2015 - 02h00

Empresas incentivam funcionários a criar negócios dentro da própria organização

FERNANDA PERRIN
DE SÃO PAULO

Ser empregado não significa abandonar a ideia de ter um negócio, ou ter que fazê-lo nas horas vagas. Na busca por inovação, empresas incentivam funcionários a "empreender" dentro da própria organização.

A ideia é que eles vendam seus projetos para a empresa, em vez de partirem em carreira solo. Em troca, têm a estrutura e o dinheiro de um negócio consolidado à sua disposição e, indiretamente, podem receber promoções.

No Grupo Algar, de Uberlândia (MG), que atua em segmentos tão diferentes quanto agronegócio e aviação, em 15 anos já foram investidos mais de R$ 77 milhões em 905 sugestões de funcionários, que trouxeram um retorno de R$ 365 milhões para a empresa, diz Mauri Ono, vice-presidente de estratégia do grupo.

Uma dessas propostas foi a reformulação da garrafa PET onde a Algar armazena óleo de soja. O projeto foi sugerido por Edney Lima Filho, 25, à época trainee, e tornou o negócio autossuficiente na produção da embalagem com uma redução de 25% dos resíduos sólidos do processo.

O sucesso do empreendimento de Lima Filho lhe rendeu não só a efetivação na empresa, como a promoção para o cargo de coordenador de projetos estratégicos. Apesar de ser apenas trainee quando propôs a mudança, ele pode coordenar todo o projeto, liderando uma equipe própria com um orçamento de R$ 40 milhões.

"Foi como montar uma empresa do zero", afirma.

Uma premiação anual da Algar escolhe as ideias de destaque, que recebem em média 10% dos rendimentos obtidos com ela pela corporação. Segundo o vice-presidente, o valor "pode parecer baixo", mas o maior retorno para o funcionário é a "satisfação pessoal".

Empreendedores

Lima Filho não revela quanto os 10% significam em números absolutos, no seu caso. Ele afirmaz, porém, que sua principal recompensa foi ter sido promovido.

"Esse tipo de empreendedorismo é mais comportamental do que econômico", avalia a professora Alessandra Andrade, coordenadora do Centro de Empreendedorismo da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).

Ela alerta ainda que as empresas precisam ter regras claras sobre a prática para evitar desperdício de recursos, como uma margem de tolerância ao erro. Em casos extremos, um projeto que dê errado pode resultar em prejuízo e até a demissão do "empreendedor".

SÃO OS 20%

A criação do Gmail, e-mail do Google, deu visibilidade à "política dos 20%": a ferramenta foi criada por funcionário durante o dia livre semanal que a empresa concede para trabalhar em ideias e projetos próprios.

No jargão das empresas, a prática é chamada de "intra-empreendedorismo" ou "empreendedorismo corporativo" -aquele que acontece dentro da organização, em oposição à fundação de novos negócios independentes.

A Santo Digital, parceira que vende e implementa produtos do Google no Brasil, inspirou-se na americana para incentivar seus funcionários. Desde 2010, quando foi fundada, eles podem dedicar 20% do tempo a projetos paralelos a suas funções.

Segundo Cláudio Santos, 44, presidente do negócio, a prática é uma forma de segurar jovens de potencial no seu quadro, além de deixá-los menos ansiosos ao permitir que trabalhem em algo que se sintam donos.

Dos três funcionários "empreendedores" da Santo Digital, Flávio Valiati, 23, é o que se encontra em estágio mais avançado. Há cerca de seis meses, ele sugeriu montar um negócio de orientação profissional e recrutamento direcionado a jovens.

O processo foi semelhante ao enfrentado por empreendedores "solo": montar um plano de negócios, conseguir investimento e ganhar clientes. A diferença é que as etapas foram todas feitas dentro da Santo Digital.

Com um investimento de R$ 8.000 da empresa, ele criou a plataforma da Vamos Subir e com o dia livre, ele desenvolve o projeto. Seus clientes são os mesmos de Santos.

"A vantagem de tocar a ideia dentro da empresa é que o risco é menor e há capital disponível", diz Valiati.

Na P&G, dona das marcas Ariel, Pampers e Pantene, entre outras, não há um tempo reservado para profissionais terem boas ideias -espera-se que eles estejam trabalhando nisso sempre.

A ideia é que todos tenham "senso de propriedade" sobre a empresa. "Em cada posição, é como se você fosse dono da sua lojinha", diz Marcela Pereira, gerente de recursos humanos.

Isabela Zakzuk, 29, gerente de marketing da Pantene, diz que prefere ser empreendedora dentro de uma corporação porque assim tem acesso a treinamento e supervisão, o que não teria se estivesse à frente de um negócio próprio. "É uma segurança."

Diferentemente dos empreendedores "clássicos", altamente independentes e autônomos, os "intraempreendedores" são motivados por estabilidade e segurança, diz Irene Azevedo, diretora da consultoria LHH.
Mas isso não quer dizer que a prática não envolva riscos ou enfrente dificuldades.

Em empresas com muitos níveis hierárquicos, o funcionário corre o risco de que sua ideia acabe sendo apropriada por um superior ou se perca ao longo do caminho, diz Ênio Pinto, gerente de atendimento do Sebrae Nacional.

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 14-10-2015, 16h20: SANTO DIGITAL. Retrato de Flavio Valiati, funcionario da Santo Digital que teve apoio da propria empresa para criar um novo negocio dentro dela (chamado "Vamos Subir"). A pratica e conhecida como intra-empreendedorismo. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, EMPREGOS) ***EXCLUSIVO FSP***
Flávio Valiati, 23, na sede da Santo Digital, em São Paulo

Outra dificuldade é fazer a organização sair da inércia. "As pessoas têm resistência a ideias novas, então seu projeto vai ser muito questionado", afirma Azevedo.

A especialista em recursos humanos alerta ainda que a visibilidade que expor uma nova ideia traz para o funcionário também tem um lado perverso. "Se sua ideia não for adiante, você pode se queimar na empresa".

RECOMPENSA

As regras para divisão dos lucros de uma ideia de sucesso vinda de um funcionário variam de empresa para empresa. O retorno pode ser desde uma bonificação a participação societária.

No Grupo Algar, há dois modelos. No primeiro, o funcionário recebe em média 10% do rendimento gerado pelo projeto ao longo de um ano como premiação. Promoções são outro resultado indireto da prática, diz Mauri Ono, vice-presidente de estratégia do grupo.

Quando a ideia tem solidez suficiente para virar uma empresa autônoma, a Algar incuba o projeto e, na maior parte dos casos, vira sócia minoritária dele. O funcionário se desliga da empresa, mas recebe durante um ano -chamado de "período de maturação"- uma bolsa-auxílio.

Outras empresas optam por incluir o funcionário entre seus sócios. Essa foi a escolha de Cláudio Santos, 44, da Santo Digital, parceira do Google no Brasil, que convidou Flávio Valiati, 23, como parte minoritária. "Foi uma forma de me segurar, porque eu recebi outras propostas", afirma Valiati.

Há seis meses, ele começou a tocar a Vamos Subir, negócio de orientação profissional para jovens. O trabalho é feito uma vez por semana, tempo que a Santo Digital libera seus funcionários para pensarem novas ideias.

Na P&G, dona das marcas Ariel e Pampers, entre outras, o empreendedorismo do funcionário é reconhecido na análise de desempenho que, indiretamente, influencia na promoção e remuneração.

Outras recompensas são convites para eventos patrocinados pelas marcas da empresa, diz Marcela Pereira, gerente de RH.

Na Serasa Experian, não há nenhum prêmio ou reconhecimento atrelados ao empreendedorismo, afirma Andrea Regina, 43, gerente de sustentabilidade corporativa.

Ela diz que o que a faz empreender dentro da empresa é o impacto maior que consegue dar a seus projetos, de cunho socioambiental, valendo-se da capacidade de investimentos de uma multinacional -algo que dificilmente teria em uma ONG.

Para Ênio Pinto, gerente de atendimento do Sebrae Nacional, se uma ideia de um funcionário está gerando lucros para o negócio, ele deve ter uma participação. (fp)

 

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