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15/11/2015 - 01h00

É preciso criar uma musculatura moral contra desvios, diz pesquisadora

THAIS BILENKY
DE NOVA YORK

No mundo corporativo, agir de acordo com a consciência é complicado. Pressões levam executivos a tomar decisões que contrariam seus princípios, mas, supostamente, os ajudam a atingir objetivos.

Para a pesquisadora Mary Gentile, 61, contudo, há como evitar esse "ciclo vicioso" que corrói a empresa. Ex-professora da Universidade Harvard (EUA) e hoje consultora, ela criou um currículo para cursos de administração chamado "Dar Voz a Valores" (GVV na sigla em inglês).

Aqui, ela explica como uma "musculatura moral", permite a um executivo ser bem-sucedido e coerente com os seus valores.

Divulgação
A pesquisadora sobre ética nas empresas Mary Gentile
A pesquisadora sobre ética nas empresas Mary Gentile

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Folha - Quais são as situações mais comuns que ameaçam a ética de executivos?
Mary Gentile - Desafios éticos e conflitos de valores são parte do dia a dia, nos negócios e na vida. Ainda que muitas discussões foquem desafios sistêmicos de má governança, como o escândalo na Volkswagen, casos mundanos são igualmente importantes. O bom funcionário que você foi obrigado a demitir, a pressão para falsificar o relatório de vendas 'só dessa vez', ou o gerente que faz bullying com novatos. São situações que afetam nossa paz interior.

Quais situações mais ameaçam a ética dos executivos?
Conflitos de valores ocorrem nos momentos de nossas carreiras em que aquilo que queremos realizar parece se opor às demandas de clientes, de colegas, de chefes, de investidores e de organizações.

Por que é difícil enfrentá-las?
O GVV não é sobre persuadir pessoas a serem mais éticas. Partimos da premissa de que a maioria quer agir de acordo com seus valores, mas também quer sentir que tem chances razoáveis de ser efetivo e bem-sucedido. A ideia é sugerir um roteiro, com ensaios e treinamentos, para responder a esses desafios e não sucumbir a tentações.

Quais são as tentações?
As razões que costumamos dar para justificar violações são familiares: 'Não achei que descobririam', 'Não tinha como dizer não', 'Todo mundo estava fazendo' e por aí vai. Às vezes, somos motivados por ganância e interesses privados materiais, mas, na maioria dos casos, somos motivados pelo desejo de evitar conflitos com pessoas das quais dependemos para obter contratos ou promoções.

E como não sucumbir?
Se queremos encontrar maneiras de agir coerentemente com nossos valores e estimular funcionários a também fazerem isso, a prática faz a perfeição. Se nos preparamos para agir assim e criamos métodos para isso, se identificamos e aprendemos com estratégias que funcionaram no passado, temos mais chances.
Assim como atletas praticam seus movimentos construindo uma memória muscular, o meu trabalho é criar oportunidades para gerentes e executivos construírem uma 'memória de musculatura moral'.

Evitar episódios diários pode ser uma boa estratégia para prevenir problemas maiores?
Em quase todos os escândalos de corrupção empresarial, há um padrão triste de ciclo vicioso, de escorregadas repetitivas. Uma vez que cedemos 'só dessa vez' à pressão para suavizar o relatório de lucros, fica mais difícil voltar atrás. Uma vez que fechamos os olhos para o assédio a colegas, fica mais fácil fazer isso de novo.
Então, agir mal em casos menores pode tornar mais fácil agir mal em casos maiores, assim como agir bem em questões menores pode dar musculatura para agir eticamente em questões maiores.

Há diferença de comportamento entre executivos mais jovens e mais experientes?
Gerentes juniores com frequência argumentam que eles gostariam de agir conforme seus valores, mas que lhes falta autoridade, legitimidade, credibilidade e uma rede de contatos para isso. Argumentam que é muito arriscado, mas que, se fossem veteranos, conseguiriam.
No entanto, os mais experientes explicam que, embora queiram agir respeitando os seus valores, há muitas pressões -de investidores, de clientes, de funcionários, da comunidade. Dizem que é muito arriscado e que, se fossem mais novatos, com certeza teriam mais opções.

Agir de modo ético não depende da posição hierárquica?
Parece que sempre vemos barreiras para agir eticamente. Claro, muitas dessas barreiras são reais. Contudo, achamos pessoas em todos os níveis da organização que encontram meios de agir conforme seus princípios. É só que eles têm níveis diferentes de liberdade e diferentes ferramentas às quais recorrer.
Mais novatos tendem a fazer perguntas ousadas ou a reunir dados que tenham sido negligenciados em algum estudo. Por outro lado, os seniores talvez consigam vender suas ideias e posições em conversas laterais ou recorrer à sua credibilidade. O truque é estar aberto a estratégias criativas que potencializem os instrumentos que tenhamos à mão.

Há diferenças entre homens e mulheres?
Não pesquisei diferenças de comportamento entre os homens e as mulheres. No entanto, notei que não há apenas uma forma de ser um líder eficiente e guiado por princípios.
Se você tem personalidade mais agressiva, você pode encontrar motivação ao pensar: 'Sempre encarei riscos. Por que não encarar riscos em algo que realmente me importa?'. Se você é introvertido, você pode se motivar agindo eticamente como a opção mais segura. O truque é enquadrar o desafio da maneira que te permitirá jogar a favor de suas próprias qualidades e de seu conforto.

No Brasil, grandes escândalos de corrupção, como o da Petrobras, envolvem investigações sobre supostas relações com o governo e políticos. Esse tipo de situação pode ser evitado do mesmo modo que em companhias menores?
Tenho visto exemplos de corrupção em companhias de todos os tamanhos e em todas as partes do mundo. Frequentemente, mas não sempre, envolvem arranjos entre a corporação e o governo. Nas organizações maiores, pode parecer mais difícil fazer mudanças, devido à extensão dos malfeitos.
Mesmo que seja tentador argumentar que é menos importante dar atenção a empresas menores, são precisamente nessas instâncias menores que conseguimos atingir objetivos de uma forma mais veloz. E quanto
antes transgressões menores forem enfrentadas, menos chances existirão de elas crescerem e se tornarem escândalos mais custosos.
Um dos meus objetivos é permitir a executivos estimularem valores antes que más condutas se enraízem na companhia e signifiquem um custo maior à reputação das empresas e do governo e ao bem-estar dos cidadãos.
O GVV não é sobre dedos-duros, mas sobre conversas construtivas e honestas sobre mudanças, antes que delações se tornem a única opção para mudanças.

RAIO-X
Mary Gentile

Formação
Doutora pela Universidade do Estado de Nova York em Buffalo e pesquisadora na Faculdade Babson (EUA)

Carreira
Ex-professora da escola de negócios da Universidade Harvard, consultora de ética
em empresas e autora do livro "Giving Voice to Values" ("Dando Voz aos Valores", em tradução livre)

 

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