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15/11/2015 - 01h00

"Os chefes estão abandonados e sobrecarregados", diz especialista em carreiras

FERNANDA PERRIN
DE SÃO PAULO

Nem tudo é culpa do chefe. Para Rafael Souto, presidente-executivo da consultoria de carreira Produtive, os executivos são cobrados por problemas que nascem de incoerências da empresa, e não do desempenho deles.

Como esperar, por exemplo, que um chefe seja capaz de reter bons profissionais, quando não há uma política clara de remuneração dentro da organização?

"A distância entre o que a empresa vende para os funcionários e o mercado e o que de fato acontece gera um caldeirão tóxico", afirma.

Bruno Santos/Folhapress
Rafael Souto, 40, presidente da Produtive,na sede da empresa, em São Paulo
Rafael Souto, 40, presidente da Produtive,na sede da empresa, em São Paulo

Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Souto à Folha.

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Folha - O que é 'hiper-responsabilização' dos chefes?
Rafael Souto - Nos últimos 20 anos, as empresas vêm sofrendo com a pressão do mercado. Elas reduziram custos, deixaram a estrutura mais leve, e por consequência, mas enxuta. Então há menos pessoas para executar as atividades. Outro ponto é que as lideranças nos últimos anos receberam novos papéis: gestor de pessoas, conselheiro da equipe, além da responsabilidade de entregar resultados.
Essa visão, de que o chefe é responsável por tudo que acontece, sobrecarrega a liderança. Muitas vezes o acionista da empresa não tem definições claras de políticas, e aí os profissionais saem, e eles dizem que a culpa é do líder. Nem tudo é culpa dele. O chefe não vai resolver tudo. A empresa tem que ter definições claras do negócio.

Se a última palavra é do chefe, não é correto lhe atribuir os resultados da empresa?
O problema é que a liderança tem liberdade até certo ponto. Ele não tem autonomia para tomar decisões que prejudiquem resultados no curto prazo. Na prática, a autonomia não acontece. Os chefes vivem sob 'efeito Lúcifer': vivem uma vida infernal porque são pressionados por todos os lados da organização.

Os executivos também não se 'hiper-responsabilizam'?
Sim. Muitas vezes, por medo, eles não se posicionam como deveriam diante do conselho e assumem tarefas que não podem entregar. As empresas que hoje não conseguem cumprir metas são resultado do comprometimento dos CEOs, feito durante a exuberância do Brasil capa da 'The Economist', quando assumiram mais do que poderiam realizar. Há os centralizadores, mas há também aqueles que assumem muitas responsabilidades. O maior drama que observo nos últimos anos foi o de terem assumido mais do que podiam, pressionados pelas empresas e com pouca margem para dizer não. O problema mora no nível do acionista e do conselho de administração.

Por quê?
Eles têm uma fala muito bonita de médio e longo prazo, mas na prática cobram resultado do trimestre muito agressivamente. Na reunião de conselho o que vale é o curto prazo. O presidente-executivo é pressionado pela diretoria e por gestores a responder pelas equipes. Apesar das estratégias ambiciosas, na prática do dia a dia os líderes estão abandonados e sobrecarregados.

Que solução o sr. propõe?
Coerência entre discurso e prática, que tem que começar pelo acionista. Não adianta cobrar gestão estratégica dos CEOs, se no conselho da empresa só se olha o curto prazo. Trata-se de fazer um diálogo mais coerente entre o que a empresa fala como política, e o que de fato ocorre nos conselhos de administração em relação ao CEO.
Todas as empresas vão dizer que 'pessoas' é o assunto mais importante do negócio, mas em quantas reuniões de conselho esse foi um tema prioritário? Nenhuma. Prioridade é margem de lucro, custo. Não estou julgando se isso é certo ou errado, mas sim que há incoerência entre discurso e prática, seguida por responsabilização do líder por tudo que não deu certo.
Como pode ser culpa dele se a empresa não deu bola nenhuma pra isso?
Se a empresa está focada no curto prazo, vamos admitir isso. Acho que elas precisam sobreviver no curto prazo, então é natural que cobrem resultados. Mas vamos resolver esses pontos lá em cima, no conselho.

Por que essa incoerência?
As empresas se especializaram em produzir discursos bonitos para a mídia, para os prêmios, mas no dia a dia corporativo o que percebo é que essas empresas são um caldeirão tóxico e difíceis de trabalhar. As cobranças são muito duras. O nível de executivos doentes, infelizes, é cada vez maior. Todo mundo é pressionado por coisas em que não acreditam.
Existe uma retórica corporativa que cansou. As pessoas não aguentam mais essa mentira. Vamos assumir que a empresa não tem tempo de pensar no longo prazo, vamos dizer 'o ambiente é esse mesmo, faremos o possível para resolver', em vez de atribuir ao líder a resolução de tudo. Não vamos enrolar as pessoas.

O sr. também critica o 'jogo político' das empresas. O que quer dizer com isso?
São os conchavos do poder. A energia que o executivo precisa gastar para poder se manter trabalhando tem crescido ano a ano. Eu acompanho esse mercado há 20 anos e observo que as corporações estão cada vez mais políticas. Para sobreviver, você tem que ser amigo do rei. Política faz parte, mas em alguns casos isso é excessivo: o cara gasta mais tempo da agenda para resolver o cargo, a promoção, do que com problemas do negócio. Em razão da falta de posições e da pressão por resultados, está um 'salve-se quem puder' no mundo corporativo. Será que as empresas serão vencedoras se seus executivos gastam mais tempo para se manter no cargo do que para fazer seu trabalho?

 

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