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12/06/2016 - 02h00

'O cliente adora ser mimado', diz ex-camelô que virou palestrante

RENATA GAMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Tudo o que tenho é graças à venda", afirma David Portes, 59, ex-cortador de cana e camelô, que hoje é dono da agência de ações promocionais AD Experiências Inovadoras -com clientes como Ambev, Oi e Microsoft.

"Pelo que vivi, ninguém nasce sabendo vender, mas pode aprender. Eu não sabia e fui pegando o jeito" afirma.

A trajetória de vendedor aconteceu quase ao acaso. Um dia, usou o dinheiro reservado para os remédios da mulher para comprar doce e revendê-los. "Em uma hora vendi tudo e dobrei o capital. Com uma parte do lucro comprei o remédio e, com a outra, comprei mais doces e comecei a minha história", diz.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista:

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Folha - A profissão de vendedor já foi uma alternativa para quem não tem emprego, mas hoje é uma área estratégica. O que mudou?

Davi - Antes, era um bico. Era um emprego para arrumar dinheiro para a faculdade. Mas hoje muitos estão nela porque gostam. Tem gente que tem identificação e quer empreender com vendas. Venda é paixão. Quando tem prazer, fica mais fácil vender.

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O mercado pede que todos sejam um pouco vendedores?

Sim. O médico precisa vender sua capacidade para passar confiança, o engenheiro vende credibilidade. Em qualquer setor, todo mundo está vendendo o tempo todo seu serviço, sua imagem. Quem não se vende não é promovido. As companhias valorizam o perfil vendedor. Sem esses talentos, as empresas não vão a lugar nenhum.

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Existe diferença entre o vendedor de ontem e o de hoje?

O vendedor de ontem tinha mais facilidade, pois dependia basicamente da qualidade do produto. Tinha pouca concorrência, não havia internet. Hoje, está mais difícil. O vendedor precisa saber se seu público é A, B ou C, se o produto está adequado à região onde é vendido. Tudo isso é pesquisa. E, quanto mais se qualificar no atendimento, tiver honestidade e transparência, melhor. Hoje, se ele não acompanhar as novidades, não conhecer os produtos que estão surgindo, vai acabar não vendendo.

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Quais são as principais estratégias para vender mais?

Criar ações e promoções. O cliente adora ganhar coisas, ser mimado. Na minha banca, eu levava o produto até os carros. Só o McDonald's e a minha banca tinham drive-thru naquela época. Também fazia delivery. Eu dava o número do orelhão e recebia os pedidos. Nos anos 1990, eu já vendia por e-mail. Um amigo que trabalhava no prédio em frente à banca recebia os pedidos, mandava pela janela numa cordinha e eu entregava. É importante fazer o pós-venda. Eu tinha um cadastro com 3.000 clientes e ligava no dia do aniversário para oferecer brinde. O cliente fica fiel e traz mais clientes. Fiz o cadastro fazendo sorteios. Pedia para as pessoas deixarem telefone e data de aniversário para participar.

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Saber vender é um talento?

Você pode, sim, ter facilidade para vender. Mas, pelo que eu percebo, até pelo que vivi, ninguém nasce sabendo vender, mas pode aprender. Eu não sabia vender e fui pegando o jeito, fui aprendendo, vendo novos caminhos e me qualificando. Hoje, conversando dois ou três minutos com alguém, já sei o que o cliente procura. Mas, quando cheguei ao Rio, com 20 e poucos anos, eu era cortador de cana e nunca tinha vendido nada.
A minha primeira venda foi na Rocinha, fui vender linguiça. E eu não sabia qual era o meu público-alvo. Então, eu fiz pacotes de um quilo. E não vendi nada, porque ninguém tinha dinheiro, e as pessoas queriam poder escolher o tipo da linguiça, se mais grossa, mais fina. Eu não fiz essa pesquisa para saber o que o cliente quer. Não me planejei e não vendi, mas aprendi que a gente tem que se qualificar, tem que conhecer bem o produto e o público.

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Precisa ter um certo conhecimento de psicologia também?

Venda é psicologia também. É ter uma percepção de quem é quem. E nunca mexer na ferida ou ser desagradável. A grande sacada é conseguir na hora perceber o que o cliente busca. Nós, brasileiros, temos uma certa facilidade para isso. Mas é questão também de se qualificar para identificar o cliente potencial para, quando ele chegar, saber seus desejos e anseios. Antes de vender, você precisa observar o comportamento do cliente dentro do contexto, e quem sabe puxar uma conversa para que ele conte o que quer. Mas precisa ter cuidado para não julgar. Uma vez, numa loja de joias, um senhor entrou para procurar um presente. Tinha uns 50 anos. Em seguida, chegou uma jovem bonita e parou do lado. O vendedor já tratou como se a joia fosse para ela. Mas o cliente percebeu e disse: "A joia é para aquela senhora, a minha mulher. Não quero mais comprar nada aqui". E foi embora. O vendedor teve uma ideia errada do comprador. Tem de saber analisar para não ser invasivo ou inconveniente. Precisa observar por alguns minutos, deixar à vontade. E não aborrecer o cliente. Na minha banca, quando eu era camelô, eu batia tanto papo com os clientes que alguns pediam conselho, como se eu fosse um padre.

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Hoje o vendedor concorre não só com o vizinho mas também com toda a internet. Como se diferenciar?

Tem que ser sábio. Se você não criar produtos, serviços ou formas diferenciadas para vender, não vai sair da crise. A grande sacada é aprender mais sobre o produto e sobre o consumidor. Se você conhece cliente e produto, você tem condições de fazer o diferencial, mesmo com internet e lojas. Os produtos têm muitas especificações. Com a internet, o cliente às vezes sabe mais que você. Então, o vendedor tem de ser um mestre, estar bem informado para ajudar na escolha.

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Quais são os principais erros numa venda?

Primeiro, não saber abordar. O vendedor não pode ser apressado, já chegar falando em venda. Depois, ter uma postura que entre em conflito com o produto. Por exemplo, vender artigo de higiene e beleza, mas se apresentar sujo e descuidado. Para cada produto, há um manejo e uma abordagem diferente. Outro erro é oferecer desconto na primeira abordagem. Pode falar das qualidades do produto, da garantia, mas não reduzir o preço logo de cara. É preciso ser firme e oferecer desconto apenas no fim, se houver alguma gordura para queimar. Também é um erro comum mentir sobre o produto ou ser falso ao elogiar o cliente. Usar frases feitas não soa sincero. Tem que ser honesto, dizer o que o produto é. Sempre digo na palestra que Deus perdoa, mas o cliente, não. Não engane o cliente, porque ele está antenado. Outro erro é empurrar o produto. A pior coisa é forçar uma venda, fazer o cara levar o produto e ele chegar em casa e odiar. Vai te xingar até a quinta geração e não vai voltar. É um marketing negativo. O bom vendedor tem honestidade e transparência.

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RAIO-X
IDADE 59
NASCIDO EM Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
TRAJETÓRIA Ex-camelô de uma banca de doces no Rio de Janeiro
OCUPAÇÃO Palestrante e dono da agência AD Experiências Inovadoras

 

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