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10/01/2014 - 07h30

Lei reconhece edifícios já ocupados como lofts residenciais em Nova York

CARA BUCKLEY
DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK

O ator Bill Murray sublocou um apartamento naquele prédio para o verão. Um contingente de deslumbrantes dinamarqueses também se mudou para o edifício.

O mesmo vale para o fotojornalista Tim Hetherington, cuja morte na Líbia em 2011 levou uma multidão a se reunir para lamentar sua partida, diante da construção, conhecida como "kibbutz" entre os fotógrafos –pelo tanto de profissionais da área que moram por lá.

Kirsten Luce/The New York Times
Edifício evacuado é reconhecido como loft residencial
Edifício evacuado é reconhecido como loft residencial

A vida mudou –de maneiras engraçadas, intrigantes, trágicas e corriqueiras– para os ocupantes dos lofts do número 475 da Kent Avenue, no Brooklyn, em Nova York (Estados Unidos), nos seis anos transcorridos desde que o edifício se tornou instantaneamente infame. O corpo de bombeiros concluiu que a fábrica ilegal de matzá (pão ázimo judaico) que operava ilegalmente no porão da edificação corria o risco de explodir.

Talvez a maior mudança seja o fato de que agora é legal morar no edifício, algo que parecia um sonho distante na gélida noite de janeiro de 2008, quando o corpo de bombeiros de Nova York ordenou que todos os moradores deixassem o edifício.

Além do matzá supostamente explosivo, os bombeiros também encontraram colunas de água defeituosas e problemas no sistema de sprinklers de combate a incêndio.

O drama voltou em 2011, quando representantes de diversas agências públicas deram uma batida no edifício procurando por indicações de conversões ilegais e problemas de segurança, segundo porta-voz dos bombeiros que participou da operação. (Contatado por telefone, o proprietário do edifício, Nachman Brach, declarou não conhecer os motivos da batida).

Hoje, os moradores estão no geral seguros em seus lares de conto de fadas nova-iorquino –espaços industriais extensos que servem como estúdios de fotografia, gravura, música e pintura, muitos dos quais oferecendo vista para o panorama de Manhattan, do lado oposto do rio.

Isso se deve à lei do loft, implementada em 2010, que abriu caminho para a conversão residencial e estabilização de aluguéis em edifícios elegíveis que se inscrevam no programa até a metade de março deste ano.

LUXO E FAMA

As ruas em torno do edifício também vêm mudando rapidamente. A nova safra de luxuosas torres de vidro está marchando firmemente em direção ao sul e lojas elegantes as acompanham, entre as quais uma loja de azeite de oliva que foi inaugurada nas imediações.

Entre as pessoas cujos sentimentos a respeito dessas mudanças são contraditórios está Guy Lesser, escritor e morador veterano do edifício, que celebrou a recente instalação de uma mercearia muito necessária.

"Não gosto de 'yuppies' e de 'eurotrash'", disse, "mas a realidade é que o edifício se tornou mais habitável".

Sua vizinha e amiga Eve Sussman, artista plástica, vê as mudanças de maneira mais sombria, como uma "estocada no coração".

"A lei do loft serve de baluarte contra uma guerra realmente grande", diz Sussman, que se mudou para o prédio com o marido, o fotógrafo Simon Lee, 15 anos atrás.

De qualquer forma, o edifício continua a atrair pessoas criativas e realizadas. Ele já abriga um elenco admirável de fotógrafos, artistas e músicos conhecidos, e na metade do ano passado viu a chegada de Murray, que estava filmando no Brooklyn com Naomi Watts.

Presença discreta, Murray ganhou o coração dos moradores ao levar um dos vizinhos, que estava morrendo de uma doença no fígado, para um jantar em um elegante restaurante do bairro, o Diner.

"Ele era muito simples, muito discreto", disse um morador, que pediu que seu nome não fosse citado.

Brach não quis revelar o valor dos aluguéis, mas os moradores dizem que as unidades mais caras custam US$ 5 mil (quase R$ 12 mil) ao mês. Alguns lofts foram divididos por Brach para criar múltiplos dormitórios, que segundo os moradores custam US$ 1,5 mil (R$ 3.500) mensais.

Nicole Bengiveno/The New York Times
Lee Boroson mora com o filho Jasper, 7, e fez do loft no bairro do Brooklyn não só a sua casa, mas também seu ambiente de trabalho
Lee Boroson mora com o filho Jasper e fez do loft no bairro do Brooklyn não só sua casa, mas também seu ambiente de trabalho

RETOMADA

Depois da evacuação de 2008, os moradores se viram emaranhados em uma vasta teia de violações do código de edificações e do código de proteção contra incêndios, e na investigação do município sobre como remover em segurança o trigo usado na produção do matzá.

Eles estavam perdendo as esperanças quanto a poderem voltar.

Mas propelidos pela mesma feroz determinação que os levou a colonizar e reabilitar o edifício 15 anos atrás, eles trabalharam com afinco para salvar seus lares.

Entre suas ações estava um programa de treinamento no combate a incêndios e um esforço minucioso de medição e mapeamento digital para criar uma planta do edifício, abrindo caminho para a instalação de um novo sistema de sprinklers.

Eles foram autorizados a voltar pouco mais de três meses depois da evacuação, ainda que muitos tenham desistido e encontrado casas em outros lugares.

Muitos dos que permaneceram agora desfrutam de alguma proteção contra a disparada nos aluguéis, porque solicitaram proteção sob a lei do loft –o edifício precisa ser atualizado de forma a cumprir os códigos de edificações e combate a incêndio, um processo que pode demorar anos, antes que seja considerado legalmente como loft residencial.

Até agora, de acordo com dados do Conselho do Loft da prefeitura, 74 edifícios se registraram sob a nova lei, ainda que representantes de moradores afirmem que o número poderia, e deveria, ser mais alto, mas que os esforços da prefeitura para se comunicar com os moradores de lofts foram escassos.

ARTISTAS REUNIDOS

Com isso, a vida continua. Há mais crianças morando no prédio hoje do que em qualquer momento do passado.

Sussman construiu um teatro de fantoches em seu loft, e seu vizinho e amigo Rob Swainston este ano instalou uma impressora mecânica de 2,2 toneladas, que é a peça central
da Prints of Darkness, sua loja de gravuras.

Os dinamarqueses deslumbrantes citados no começo também continuam a chegar: o principal é um modelo e músico que, de acordo com Sussman, sempre tem "um grande elenco de colegas de apartamento escandinavos, um mais bonito que o outro".

Ainda que agora se sinta segura em seu lar, que conta com uma cozinha industrial que ela mesma construiu e é mobiliado com peças encontradas nas ruas, Sussman diz que se preocupa com o destino dos colegas artistas que vivem na cidade, e com o daqueles que um dia virão para cá.

"Artistas precisam viver sem gastar muito. Precisamos improvisar. Queremos construir coisas sozinhos", ela disse. "Uma subcultura boêmia não pode ser criada por ordem. Ela tem de se criar sozinha".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Nicole Bengiveno/The New York Times
Rob Swainston trabalha com impressão em corte de madeira em uma prensa gigante na cozinha de seu loft, em Nova York
Rob Swainston trabalha com impressão em corte de madeira com uma prensa gigante na cozinha de seu loft, em Nova York
 

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