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17/06/2014 - 08h01

Palácio repaginado abrigará evento de caridade em NY; veja

DE SÃO PAULO

Azulejos mudéjar e uma colossal escultura do arquiteto e designer Ron Arad feita de varetas metálicas e que custou mais de US$ 1 milhão são apenas algumas das visões, ocasionalmente deslumbrantes, que convivem nos espaços que um dia abrigaram o Urban Center, nas Villard Houses, avenida Madison com a rua 51, em Manhattan (EUA). É lá que acontecerá a mostra Kips Bay Decorator Show House.

Desde que a mostra de decoração de Kips Bay foi criada, em 1973, o evento arrecadou cerca de US$ 19 milhões para o Kips Bay Boys & Girls Club (ou cerca de 15% de seu custo operacional anual). E o lugar que abriga esse esforço sempre contou uma história não só de design e fantasia, mas sobre as fortunas da cidade.

Em suas primeiras três décadas, o evento aconteceu em uma casa do Upper East Side, porque muitas delas se mantiveram vazias e à venda durante anos.

Mas com o aquecimento do mercado imobiliário, e com sua subsequente crise e retomada uma década mais tarde, os organizadores da mostra começaram a enfrentar dificuldade para encontrar espaços. Os compradores estrangeiros, que formam proporção cada vez maior dos proprietários das casas de alto padrão em Manhattan, são um "grupo aparentemente perplexo diante da ideia de emprestar seus imóveis para fins de caridade", diz Bunny Williams, presidente da Kips Bay Decorator Show House, mesmo que muitas das casas compradas por eles estejam desocupadas. "Eles não entendem a coisa, e pronto", diz ela.

Como resultado, nos últimos anos, o evento andou circulando pela cidade.

Houve um ano em que um empreendedor imobiliário que havia prometido uma casa recuou no último minuto porque tinha encontrado um comprador para o imóvel, o que resultou no abrupto cancelamento de um evento anual que marcava cada primavera. Por isso, quando a Northwood Investors, nova controladora do Palace Hotel e também proprietária das Villard Houses, ofereceu o espaço da rua 51 para a Kips Bay Decorator Show House, foi como uma espécie de revanche.

As Villard Houses são um dos mais adoráveis marcos de Manhattan –seis 'townhouses' (espécie de casas geminadas) construídas na década de 1880 e projetadas pelo escritório McKim, Mead & White, que havia sido criado pouco tempo antes, para simular um "palazzo" renascentista.

O incorporador dos imóveis, o jornalista, magnata das ferrovias e abolicionista alemão que assumiu o nome de Henry Villard quando imigrou para os Estados Unidos a fim de fazer fortuna, viveu menos de um ano no local. Depois de tentar manter a mais grandiosa das casas, quando suas finanças começaram a degringolar, ele fugiu para Dobbs Ferry, no interior do Estado de Nova York, e a casa dos seus sonhos se tornou um emblema de fracasso, como William Shopsin e Mosette Glaser Broderick relatam em "The Villard Houses: Life Story of a Landmark" (1980).

Ainda que as casas tenham se tornado parte do patrimônio histórico da cidade em 1968, mal conseguiram sobreviver aos anos 70, quando Nova York caiu em depressão e a arquidiocese de Nova York, que havia começado a adquirir partes do complexo após a Segunda Guerra Mundial, ofereceu o espaço em locação para Harry Helmsley por 99 anos. Helmsley foi autorizado a demolir a porção leste do complexo para construir lá o seu Palace Hotel, "uma torre dura e desanimadora", como descreveu o crítico arquitetônico Paul Goldberger no "New York Times".

O Palace continua lá, como pano de fundo para as Villard Houses, e embora seja uma construção sem graça e grande demais, o complicado contrato imobiliário que Helmsley criou para viabilizar a construção de seu hotel permitiu a preservação e restauração não só das "town houses" mas de muito do que existia em seus extraordinários interiores.

Em uma manhã luminosa e fria da semana passada, percorri aos tropeços, e boquiaberta, o saguão vermelho sangue que o arquiteto William Georgis concebeu como um retiro para Spellman, o ambicioso e controvertido arcebispo católico de Nova York, morto em 1967, defensor da guerra do Vietnã e amigo de Roy Cohn. Há um par de torsos masculinos (Hércules e Cristo, um romano e o outro renascentista), banquetas com pés de chifre de antílope, uma assustadora escultura em bronze de George Condo, um candelabro Luís 15, um sofá de veludo turquesa e uma cadeira desenhada por Georgis para a Maison Gerard.

Um quadro de Piotr Uklanski em resina também ostenta a cor vermelho sangue.

Por três décadas, a Sociedade Municipal de Arte de Nova York, parte essencial do acordo que resultou na preservação das Villard Houses, foi a ocupante da casa norte do complexo, que abrigava seus escritórios e livraria e a sede da Architectural League. Até 2010, quando a Sociedade Municipal de Arte partiu para uma sede mais modesta, o Urban Center era um ponto de encontro e um lugar de peregrinação obrigatória para os apreciadores da arquitetura e design.

Que os novos proprietários do Palace estejam oferecendo o espaço do Urban Center (mais de 2,4 mil metros quadrados, em três pavimentos) como um ponto de varejo para uma companhia de bens de luxo (com aluguel anual de US$ 6 milhões) diz muito sobre as arcaicas artes da preservação histórica e da publicação de livros.

O local certamente tem muito de tentador para um potencial inquilino. Na sala de jantar de mais de 12 metros de comprimento, os decoradores Tony Ingrao e Randy Kemper apresentam uma vida inteira de patrimônio colecionável, incluindo porcelana da dinastia Han, uma antiga perna de bronze, um par de voluptuosos consoles de mármore criados pelo arquiteto William Kent no século 18, um sofá de chenile de cinco metros de comprimento, e a imensa "cortina de fogo" de Ron Arad, feita de varetas metálicas que formam uma espécie de impressão digital, através da qual é possível ver um vídeo de chamas crepitando.

Juan Montoya, o decorador colombiano, estava claramente se divertindo muito com a escala de seu espaço, logo ao lado da sala de Ingrao e Kemper. "É um luxo que não se vê todos os dias", disse ele. "É uma bela sala do século 19. Como respeitá-la e ao mesmo tempo propor um desafio a ela?"

No meio da sala, ele posicionou um imenso sofá de falsa pele de astrakhan, com quase cinco metros de comprimento. Uma escrivaninha de aço inoxidável polido tem 3,5 metros de comprimento. Uma mesa de basalto de 1,3 mil quilos, do artista coreano Byung Hoon Choi, parece uma presa de baleia. E sobre a lareira, uma onda de gesso esculpido lembra os suaves interiores em gesso da moderna arquitetura latino-americana, ainda que Montoya tenha descrito a peça como "uma espécie de xale de cashmere".

No salão da frente, Martyn Lawrence Bullard, o decorador de Elton John e apresentador de ""Million Dollars Decorator", expressou sua marca com uma amostra luxuriante de seus designs para papéis de parede (um design branco e preto imitando o mármore, para Schumacher), e, no teto,um padrão com estampa de zebra que ele criou para Ann Sacks.

Bullard disse que estava citando Renzo Mongiardino, o designer italiano e diretor de arte de "Romeu e Julieta" de Franco Zeffirelli, morto em 1998, conhecido por seu apego a acabamentos exuberante, bem como aos papéis de parede "marmorizados".

No piso acima, na sala de estar da Carrier and Co., mais paredes em padrão de mármore, com papéis de parede dourados feitos à mão e parecidos com as folhas de rosto decorativas de livros do século 19, produto da Calico, uma produtora de papel de parede artesanal.

Alexa Hampton, que estava passando a manhã de seu 43º aniversário na casa, também usou as artimanhas de Mongiardino nas paredes de sua sala. Ela estava pensando nos padrões dos azulejos de mudéjar, que ela pediu que o pintor decorativo Chuck Fischer convertesse em painéis. Depois pediu que a Duggal, especialista em impressão de imagens digitais e fotos, imprimisse um papel de parede de lona com as imagens, que ela afixou às paredes da sala em repetições ligeiramente irregulares. O efeito é estonteante.

Hampton me falou sobre sua obsessão com o Studio Peregalli, a casa de design milanesa. E contou ter sido uma "stalker" virtual do fotógrafo italiano Massimo Listri, do qual usa uma imagem do Castello di Sammezzano, uma insensatez em estilo mourisco construída no norte da Itália; e contou que deve a Robin Sacks, que pintou a imagem à mão na escadaria do segundo ao terceiro piso, uma garrafa de tequila.

TAPETE PARA PISAR

Darryl Carter, decorador de Washington cujos trabalhos lembram John Saladino ou talvez Axel Vervoordt, colocou o tapete Aubusson de cabeça para baixo em sua bela sala cinzenta e branca, para mostrar o entrelaçamento grosseiro no verso. Ele disse que o tapete era mais interessante daquele jeito, "e você não se preocupa tanto ao pisar nele".

Carter também interferiu em um par de retratos do século 19, tirando as telas das molduras e amordaçando as duas figuras com um traço de tinta branca na boca. "Eu os chamo de Casal Feliz", disse. "Parecem tão plácidos, quase esvaziados, e me sinto obrigado a ajudá-los".

Ele acrescenta, sorrindo, que "essa é minha oportunidade de ter um cliente a quem realmente posso atender. Eles são meus clientes ideais, na realidade".

Clientes podem ser o grande corta-barato da profissão, especialmente nos Estados Unidos. Os arquitetos de interiores norte-americanos merecem piedade. Não há palazzos, chateaus ou hôtels particuliers nos quais eles possam estender seu alcance. Em lugar disso, lhes resta trabalhar com o 70º piso do Warner Center, ou uma McMansion pretensiosa em Greewich, Aspen ou Atlanta. Não admira que eles tenham se divertido tanto na casa projetada por McKim, Mead & White.

Markham Roberts decidiu criar uma biblioteca para ele mesmo, disse, e se inspirou em Henri Samuel, o decorador dos Rothschild. Entre todos os floreios de alta cultura europeia, uma peça artesanal bem pensada: uma foto ampliada que Roberts tirou da Medusa de Rubens (um quadro especialmente sangrento de uma cabeça decepada, que vive em um museu de Viena), e uma antiga presa de narval que ele completou com um bracelete de casamento birmanês de prata do século 19 e uma base de madeira que ele mesmo fez.

"Tenho de ficar sentado lá", diz Roberts. "Ou seja, melhor ser feliz".

Nem todas as salas são bonitas de origem ou têm foco tão estreito na estética Beaux-Arts ((belas-artes). Uma sala revestida com painéis suntuosos têm um círculo de neon azul no teto. A Orlando Diaz-Azcuy Design Associates lidou bem com a situação pintando o teto de azul, revestindo o piso de couro de vaca e ocultando os painéis entalhados com cortinas de gesso. Alfredo Villalobos e Mercedes Desio tomaram um armário sem portas e o transformaram em gabinete de curiosidades.

No corredor do segundo piso, uma porta contemporânea de elevador e alguns sinais de emergência e saída se tornaram parte do mural do grafiteiro Victor Fung, com iluminação da Rich Brilliant Willing, grupo de três jovens projetistas de móveis.

E nem todo mundo se dilacera tanto assim por causa de uma casa. Considere as recordações de Helen Winslow, que passa dos 90 anos e cuja família era dona de duas das casas Villard. Ela recordou, em conversa recente, a vista da catedral de São Patrício que tinha da janela do seu quarto no número 451, e como ela e seus colegas na escola Chapin gostavam de fazer a lição de casa no jardim, que se espalhava pelo lado leste, onde hoje fica o Palace.

Como é crescer em um lugar tão grandioso, e com arquitetura tão extraordinária?

"Nunca pensei nisso", disse Winslow. "Melhor isso que ser criada para se achar melhor que os colegas. Demorei anos a perceber que a casa era algo de especial. Quando você conhece só uma coisa, não tem com o que compará-la. Para mim, uma casa é uma casa, e só isso".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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