Análise: Da fuga do sintoma ao combate à causa
ANA CARLA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A partir dos anos 1970, os condomínios horizontais -conjuntos residenciais tradicionalmente murados, com casas de mesmo padrão, área comum de lazer e serviços, acesso restrito e forte aparato de segurança- despontaram como oásis antiviolência para as famílias paulistanas das classes A e B.
Desde o surgimento do já quarentão Alphaville, em 1975, a iniciativa se expandiu para várias outras regiões metropolitanas, como Campinas e São José do Rio Preto, e cidades que beiram os 200 mil habitantes, como Marília e Indaiatuba.
Os apelos recorrentes são os de tranquilidade, qualidade de vida e, em alguns casos, vantagem de preços frente a residências em áreas mais centrais.
É verdade que a violência tem sido um convite ao êxodo dos grandes centros -que o diga a capital. A edição 2015 do Irbem (Rede Nossa São Paulo/Ibope Inteligência), que explora a percepção dos residentes em São Paulo acerca da qualidade de vida na cidade, aponta que 57% dos respondentes declararam desejar morar em outra cidade, se pudessem. Na rabeira das áreas mais mal avaliadas constam "transparência e participação política", "segurança", "desigualdade social" e "transporte/trânsito".
Ora, se segurança é claramente um fator de saída da capital, não é nos condomínios horizontais que se satisfaz o desejo por maior participação política. Já a desigualdade social, que de fato tende a inexistir nos condomínios horizontais, caracterizados pelo convívio de pessoas de mesmos perfil e faixa social, não deixa de ser uma segregação voluntária.
E, quanto ao trânsito, salvo pelos afortunados que podem trabalhar em casa, é um problema não resolvido para os condenados ao vaivém pendular entre o condomínio e o trabalho na capital. Horas são consumidas nas saídas e entradas da cidade em nome da tranquilidade da família.
Mais do que a violência, o que parece levar à escolha pela moradia em um condomínio no interior é a opção por um estilo de vida.
Em contraponto à fuga por ilhas de conforto, há quem prefira recobrar o princípio de cidade. Em movimento oposto ao da debandada, há uma contratendência de ocupação de espaços públicos, de engajamento com iniciativas que estimulam a participação. É uma lógica defendida por pessoas que optam por converter o sentimento de fartão que povoa São Paulo em propostas de micropolítica transformadoras, de pertencimento do contexto urbano.
É claro que a micropolítica só chega a bom termo quando se encontra com a macropolítica. E é aí que a política pública precisa fazer a sua parte, se quisermos transformar a fuga do sintoma em combate à causa e permitir a São Paulo nutrir o que há de mais precioso -cidadãos ativos, criativos e diversos.
ANA CARLA FONSECA é economista, doutora em urbanismo, professora convidada da FGV e diretora da consultoria Garimpo de Soluções
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