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06/12/2015 - 01h00

Em 20 anos, rua do Baixo Augusta, em SP, foi da decadência à revitalização

LAURA LEWER
DE SÃO PAULO

Em frente a um dos empreendimentos novos na rua Paim, no bairro Bela Vista, região central de São Paulo, a aposentada Iria Pereira, 80, pede para um segurança dar um recado ao jardineiro do condomínio. "Fala para ele jogar alguma coisa nesses mandruvás, vão destruir a planta toda", diz. "Ela ficava no quintal da casa da minha amiga, que era aqui."

Moradora da Paim há 45 anos, Iria acompanhou de perto o processo de transformação de casas, como a de sua sua amiga, em prédios.

De predominantemente residencial nos anos 1950 e 1960, a rua Paim sofreu com a desvalorização nas décadas seguintes e, desde meados de 2009, virou alvo de construtoras. Hoje, exibe cerca de dez prédios novos e não resta quase nada dos cortiços e pequenos comércios de antes.

Folhapress
Rua Paim. São Paulo (SP), 1956, foto: Folhapress
Rua Paim, em 1956, no sentido da avenida Nove de Julho, no Baixo Augusta, em SP

HISTÓRIA

Antes de ter cerca de 500 metros de extensão, a rua Paim era bem maior. Em 1895, ocupava a maior parte da área onde hoje ficam as ruas Frei Caneca e Samuel das Neves.

Nos anos 1950, a região central começou a ser verticalizada. A Paim recebeu o conjunto Santos Dumont, formado pelos prédios Demoiselle, Caravelle e o famoso 14 Bis, com 27 andares, conhecido como "treme-treme".

Segundo a arquiteta Maria Patrícia Ruivo, que estudou a rua, o auge da desvalorização foi pouco depois disso, quando a rua foi tomada por cortiços.

"Pararam de investir no centro para investir em áreas mais lucrativas", diz. "Com isso, a população com maior poder aquisitivo foi embora e os serviços foram junto."

Não demorou, no entanto, para que o lugar fosse redescoberto. "O valor de compra das casas era mais baixo do que o potencial que a área tinha. Essa foi a sacada do mercado imobiliário", conta.

Os moradores que viveram as duas realidades da Paim dizem que a chegada dos imóveis melhorou a rua. "Aqui era violento antes. Eu mesmo levei um tiro uma vez, numa briga entre bandidos", conta o técnico em eletrônica Josias Costa, 52.

Iria diz que a rua estava "precisando há muitos anos dessas belezas [os prédios]". Com um apartamento comprado no Caravelle, ela não sofreu com o aumento do aluguel como o barbeiro Ronaldo de Abreu, 51.

"Saí daqui porque ficou caro, no final já estava pagando R$ 1.000. Mas agora está bom, o trabalho ficou bom", diz ele.

Ao lado de onde Ronaldo trabalha há 32 anos, há uma galeria que leva ao "treme-treme", cartão-postal da rua. Nela, lanchonetes, bares, lojas de roupa e produtos para casa, salões de beleza e até uma pizzaria cercam a entrada dos três prédios. De uma das janelas do 14 Bis, cai uma fralda suja.

"Infelizmente o pessoal continua jogando coisas das janelas", diz Marcos de Jesus, porteiro do prédio há 10 anos. "Cai fralda, roupa, camisinha. Todo dia saem uns cem sacos de lixo desse prédio", conta.

O edifício, que na década de 50 abrigou a classe média alta e boêmia de São Paulo, hoje tem mais de 4 mil moradores em seus 540 apartamentos. O porteiro sabe de cor o número do apartamento de todos. "Nesses anos eu já vi mortes, brigas...", enumera. Para ele, o comportamento das pessoas mudou para melhor depois que os novos prédios chegaram.

TEATRO

Junto com o conjunto Santos Dumont, uma das únicas construções que restam da Paim antiga é o teatro Maria Della Costa, erguido em 1954.

Responsável pela "maior revolução moderna do teatro em São Paulo", segundo a crítica Tânia Brandão, foi projetado pelos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, recebeu diretores italianos e revelou a atriz Fernanda Montenegro. Passou anos fechado e só reabriu em 1996, com uma proposta mais popular.

"Naquela época, o divertimento da população eram o cinema e o teatro", diz Analy Alvarez, presidente da Apetesp (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo). "Hoje tem muito apelo. Tem internet, televisões com 400 canais, isso diminui o público do teatro", afirma.

"É triste porque, desde sua abertura, o teatro tem mais história de abandono do que importância", diz Brandão.

Para a arquiteta Maria Patrícia Ruivo, a Paim precisava de um processo de melhoria, mas o modo como isso aconteceu foi ruim. "Algumas casas poderiam ter sido preservadas para manter sua memória. Além disso, a valorização pressiona as pessoas com menor poder aquisitivo a saírem. Isso acaba com a ideia de preservação da diversidade social", afirma.

 

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