Fora do paraíso, humanidade foi condenada a inovar sempre
GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Eureca!", gritou Arquimedes (287 a.C. - 212 a.C.), correndo nu pelas ruas de Siracusa. Ao entrar na banheira, viu que deslocava o nível da água. Descobria por acaso a solução para o desafio de medir o volume de corpos irregulares ("eureca" significa "achei!").
Inovar é trazer à luz algo que já estava lá e ninguém via (a maçã na cabeça de Newton é outro ícone da descoberta casual). Mas nem tudo é sorte. Na Bíblia a maçã leva ao conhecimento, mas a causa é uma insidiosa serpente. Fora do paraíso, fomos condenados a inovar para sempre.
Heráclito (540 a.C. - 470 a.C) atribuía a origem do cosmos ao fogo, pois "tudo o que é fixo é ilusão" e "não se entra duas vezes no mesmo rio". Vinte séculos depois, transformar ainda é a questão. Inovamos ou a realidade muda o tempo todo, obrigando cada um a se virar como pode?
Temos o dom de transformar o conhecido em algo nunca visto. Mas podemos também criar hábitos, ferramentas e ideias quando vemos algo inexplicável. A ordem precisa ser destruída: é o aspecto destruidor do fogo. Mas a imagem do fogo lembra que descobrir é também um lance de iluminação.
Os alquimistas seguiram Heráclito e, brincando com o fogo, animaram a química e a física. Nasceram a ciência moderna, novos processos, produtos e mercados. Os economistas desistiram do equilíbrio dos mercados e hoje dão mais atenção à convergência de indústria, ciência e arte. Joseph A. Schumpeter (1883-1950) nomeou a "destruição criadora" para definir a essência da economia de mercado.
Inovar é fogo, exige coragem para destruir o velho e, ao mesmo tempo, abrir novos caminhos. A rota pode surgir da inspiração poética e do acaso, mas cada vez mais é promovida por empresas, governos e cientistas criativos, gastando bilhões em busca de uma vitória épica que se possa celebrar com uma nova "eureca!".
Gilson Schwartz é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e líder dos grupos Cidade do Conhecimento e Iconomia
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