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11/11/2014 - 12h07

Falir se torna motivo de orgulho e alarde nos Estados Unidos

CLAIRE MARTIN
DO "NEW YORK TIMES"

Cinco anos atrás, Cassandra Phillipps criou a FailCon, uma conferência de um dia de duração, em San Francisco, para celebrar o fracasso. Desencorajada pelo coro cada vez mais ruidoso de fundadores de start-ups (empresas iniciantes) que celebravam seus triunfos no Vale do Silício, e nervosa quanto às suas perspectivas como empreendedora, seu desejo era recolher as histórias de pessoas que fracassaram em seus negócios.

A conferência se tornou sucesso. E a cada outubro, pelos quatro anos seguintes, até 500 empreendedores novatos se reuniram com veteranos do setor para discutir seus maiores fracassos e participar de mesas redondas do tipo "como se comportar quando as coisas saem completamente dos trilhos".

Jeff Spirer/Divulgação
Edição de 2012 da FailCon em San Francisco
Edição de 2012 da FailCon em San Francisco

Mas, neste ano, a FailCon de San Francisco foi cancelada. Phillipps diz que parte do motivo é que se fala tanto em fracasso hoje no Vale do Silício que uma conferência sobre o assunto parece quase supérflua. "Faz parte da norma, que você fracasse", ela diz.

De acordo com pesquisas de Shikhar Ghosh, professor da Universidade Harvard, de 30% a 40% das start-ups que obtêm dinheiro de fundos de capital de risco consomem todo o dinheiro investido, e entre 70% e 80% delas não atingem o retorno sobre o investimento projetado.

Agora, o fracasso está emergindo como marca de honra entre algumas start-ups, e empreendedores gostam de alardear a maneira pela qual encaram adversidades.

Em um post intitulado "hoje minha start-up faliu", Chris Poole, um empreendedor do Vale do Silício, não hesitou em descrever em seu blog o fracasso do seu app DrawQuest, um jogo de desenho.

"Nada de aterrissagem suave, nada de final feliz –simplesmente quebramos", escreveu Poole em fevereiro. Pelas 720 palavras seguintes, o tom de Poole era confessional.

"Pouca gente nos negócios conhece o sofrimento que é falir como presidente-executivo de uma empresa bancada por capital de risco", ele afirmou em seu blog. E o fracasso, ele acrescentou vinha se somar ao fechamento de uma start-up anterior de tecnologia que ele comandava, a Canvas. (E também à fundação do 4chan, um fórum de mensagens on-line anônimas muito bem-sucedido do qual Poole foi um dos criadores.)

Ele explicou aos leitores que, ainda que o app DrawQuest tivesse sido baixado 1,4 milhão de vezes, o negócio não tinha como sobreviver.

"Pode parecer surpreende que um produto de aparente sucesso quebre", ele escreveu. "Mas isso acontece o tempo todo."

CONTE SUA HISTÓRIA

O empreendedor não foi o primeiro a dissecar publicamente seu fracasso. Posts como o dele se tornaram comuns nos blogs das start-ups do Vale do Silício, levando a CS Insights, uma empresa de serviços de informação, a selecionar em seu blog diversos posts semelhantes, em um artigo intitulado "51 Autópsias sobre Start-ups Fracassadas", postado em janeiro.

De junho para cá, o site atualizou o artigo com mais 50 relatos.

Um post na primeira leva de análises foi escrito por Jordan Nemrow, cujo app, o Zillionears.com, permitia que músicos vendessem seu trabalho diretamente ao público por meio de promoções de curta duração conhecidas como "flash sales".

Nemrow escreveu que o Zillionears.com implodiu porque "as pessoas não gostavam mesmo de nada que o nosso produto oferecia". Ele acrescentou que "nenhum usuário do serviço o achava bacana".

Depois que o post ganhou circulação viral, algo de estranho aconteceu. "Recebemos 100 mil visitas no blog durante o final de semana, o que resultou em 10 mil visitas ao app", disse Nemrow. "Antes disso tínhamos 100 visitas no total."

Mas infelizmente para ele, no momento em que decidiu denunciar o Zillionears.com por seus inúmeros defeitos, já era tarde para traduzir o frenesi de interesse resultante em oportunidade de venda. A empresa já tinha fechado.

Nemrow descreveu todos os erros de seu empreendimento em uma entrevista ao site Start-up Sessions. E, em companhia do cofundador Dan Polaske, continuou a discutir os problemas encontrados em um vídeo no YouTube.

O MODO CERTO DE FRACASSAR

Fora do Vale do Silício, os empreendedores não sentem o mesmo apego pelo fracasso –o que criou uma oportunidade de negócios para Phillipps. Quatro anos atrás, ela começou a licenciar o formato FailCon, por US$ 1.500, a produtores de outros países, entre os quais Brasil, Japão, Irã, Arábia Saudita e Israel. E em Toronto, uma companhia chamada Fail Forward oferece consultoria a empresas que desejam estudar e aprender com seus fracassos. Na semana passada, a companhia organizou uma conferência parecida com a FailCon.

"Ninguém quer fracassar", diz Ashley Good, fundadora e presidente-executiva da Fail Forward. "É horrível. Você jamais me ouvirá recomendar que fracassos devem ser celebrados". Mas, ela acrescentou, "fracassar com inteligência é uma competência cada vez mais importante."

Com isso, Good quer dizer maneiras de mudar o diálogo sobre o fracasso ao usar linguagem diferente e mais positiva, e aprender a separar o ego das atividades.

"Você pode dizer a você mesmo que o fato de ter fracassado não faz de você um fracasso", recomenda Good.

Nos cinco anos em que comandou a FailCon como atividade paralela, enquanto detinha empregos de período integral em outras organizações, Phillipps adquiriu considerável sabedoria empresarial. No seu atual posto, de projetista de jogos para aparelhos móveis na Pocket Gems, ela diz que sempre presume que os produtos criados por seu grupo enfrentarão dificuldades, em diversos planos. Um exemplo é a presença de um empregado problemático no grupo, ou resenhas negativas da parte dos usuários do produto.

"Não houve produto lançado sem que esse tipo de falha acontecesse", ela diz.

Phillipps e sua equipe preparam planos preventivos para lidar com esses e outros problemas. Eles concebem soluções específicas e preparam sistemas de alerta para informá-los da ocorrência de um fiasco.

Para Trey Griffith, dirigir uma start-up fracassada era como "bater a cabeça na parede e tentar uma infinidade de coisas, sem que nenhuma funcione", ele diz.

Griffith comandava uma start-up chamada Endorse.me, cujo objetivo era convencer empresas a contratar formandos com base nas recomendações de seus professores. Ele enviou o que define como um "SOS" quando estava tentando manter a empresa em funcionamento. Era um post que detalhava seus problemas e solicitava conselhos aos leitores.

Griffith fica feliz por tê-lo feito, pois foi assim que conheceu seu atual chefe.

NADA SEXY

Ele agora se tornou vice-presidente de tecnologia da Teleborder, uma companhia sediada em San Francisco que produz software para departamentos de recursos humanos que buscam vistos para a contratação de pessoal no exterior. Griffith diz que quando entrevista candidatos a empregos na Teleborder não desconsidera pessoas que tragam fracassos em seus currículos.

Em parte isso é uma questão prática. Griffith está interessado em candidatos que tenham experimentado as dificuldades de uma start-up e em empreendedores cujas companhias estejam indo bem e que por isso não estão procurando emprego.

Ele escreveu sobre suas falhas como empreendedor na mesma época em que Nemrow, da Zillionears.com, escreveu sobre as dele. Nemrow lhe ofereceu apoio. Os dois foram beber juntos em um bar na região de San Francisco e mantiveram contato depois que Nemrow aceitou emprego no site de compras Shop It to Me, e Griffith começou na Teleborder.

Logo eles passaram a ter algo mais em comum: o sucesso.

"Eu achava que seria realmente importante ver como funciona uma startup de sucesso", disse Nemrow sobre aceitar emprego na Shop It to Me. "Queria ver por dentro como ela funciona".

E Griffith já não se sente em risco de machucar a cabeça por batê-la demais contra a parede.

"Quando sua companhia está se saindo bem e crescendo, é realmente diferente", ele diz. "Nossa companhia agora está em um estágio no qual as coisas funcionam. Não é perfeito, claro, e definitivamente temos coisas a consertar, mas estamos caminhando na direção certa. É um sentimento realmente empolgante."

Dois meses atrás, Griffith contratou Nemrow para trabalhar na Teleborder como engenheiro de software.

"É, tipo, o emprego menos sexy do mundo", diz Nemrow sobre a nova empresa. "É, tipo, 'ah, cuidamos de vistos'. Mas nesse exato momento, há tantos negócios sexy fracassando. As coisas mudarão muito. E será uma mudança interessante".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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