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22/03/2015 - 01h06

Novos fabricantes chineses de celulares vendem personalidade para vencer gigantes

PAUL MOZUR
DO "NEW YORK TIMES", EM HONG KONG

Parecia um lançamento clássico de produto de tecnologia: um salão lotado de fãs, um telão ocupado por belas fotos de smartphones, e um empreendedor de roupa escura.

Tim Cook, da Apple, provavelmente falaria sobre a estética do novo iPhone, e Lei Jun, o fundador da Xiaomi, enumeraria os núcleos do processador de seu novo smartphone, mas o homem que ocupava o palco, Luo Yonghao, da startup chinesa Smartisan, preferiu animar a plateia com um monólogo de humor.

"Quanto ao que vou dizer a seguir, para ser franco, não entendo o que significa, mesmo que eu seja presidente de uma fábrica de celulares", ele brincou. O riso tomou a sala.

Luo, antigo professor de inglês e personalidade conhecida na Internet da China, é especialista em conquistar atenção. O lançamento em questão, acontecido em maio, foi parte de uma série de apresentações que ele fez nos dois últimos anos, como parte do plano para construir a reputação de sua nova empresa.

E vem dando certo. Um vídeo do evento atraiu mais de sete milhões de visitas no site chinês de vídeo Youku. As vendas do primeiro lote de smartphones da Smartisan foram prejudicadas por probleminhas comuns na cadeia de suprimento, mas a empresa vendeu mais de 250 mil aparelhos, de acordo com Li Jiankye, vice-presidente da Smartisan.

O sucesso de Luo aponta para uma mudança no mercado chinês. Hoje em dia, os jovens consumidores da China buscam smartphones com algo mais. E uma nova geração de empresas iniciantes locais, como a de Luo, está surgindo para atender a essa demanda, sabendo que elas estão vendendo uma identidade tanto quanto um aparelho.

Inspiradas pelo fenomenal crescimento da Xiaomi, criada cinco anos atrás e avaliada em US$ 45 bilhões em uma rodada de capitalização concluída em dezembro, essas empresas levam assumem riscos quanto à inovação e o estilo, lançando celulares de baixo preço com o objetivo de perturbar a ordem estabelecida.

Ainda que empresas menores não possam ainda ser comparadas à Xiaomi, as recompensas para quem conseguir seguir sua trilha podem ser grandes. Na segunda-feira, o gigante do comércio eletrônico chinês Alibaba anunciou investimento de US$ 590 milhões em uma participação acionária minoritária na Meizu. No passado fabricante de players de MP3, os celulares de preço médio da Meizu são populares com uma faixa etária um pouco mais velha e afluente do que os milhões de leais compradores da Xiaomi. Com a transação, a Alibaba poderá colocar seu sistema operacional para celulares em mais aparelhos.

Para concorrer com gigantes já estabelecidos como a Huawei e a Lenovo, empresas como a Smartisan e a Meizu usam a mídia social, a fama de seus fundadores e praticamente qualquer truque de Internet em que possam pensar para ganhar fama.

"A grande mudança é a maneira pela qual elas estão criando engajamento da parte de seus clientes; toda essa interação na mídia social, por trás da cena, é o que constrói uma feroz lealdade de marca", diz Bryan Ma, analista da IDC.

Para Luo, que tem 10,6 milhões de seguidores no site chinês de mídia social Weibo, cada post é um anúncio, diz Li. Emulando a Xiaomi, a Smartisan também usa comentários dos usuários de seus aparelhos nos fóruns oficiais da empresa e os encoraja a falar sobre seus produtos.

Esse tipo de interação vem lentamente criando um mercado mais personalizado.

CLIENTE AMIGO

"Nos velhos dias, todo mundo queria produtos de marca e bens de luxo", disse Ruby Lu, sócia no grupo de capital para empreendimentos DCM.

"Mas pessoas nascidas mais tarde, nos anos 80 e especialmente nos 90, têm um novo desejo", ela diz. "Querem um produto que as defina, que fale com elas. Querem rejeitar a definição convencional sobre aquilo que são".

Os analistas dizem que o design do software e hardware da Smartisan em alguns momentos supera o de companhias maiores, mas argumentam também que a celebridade de Luo é igualmente importante para o sucesso da empresa. Li diz que os consumidores adotaram a Smartisan em parte porque admiram Luo como uma espécie de livre-pensador chinês.

"Ele diz aos estudantes como a sociedade chinesa pode ser cruel, por causa da desigualdade em toda parte", afirma Li. "Diz que eles terão de enfrentar esse fato quando crescerem, e que devem manter a integridade e um coração caloroso".

É uma lição que Luo aprendeu bem ao crescer em uma cidadezinha empobrecida na fronteira com a Coreia do Norte. "Em um período de subnutrição, eu comia o bastante para ser gordo. Em um ambiente desprovido de estímulo, abandonei a escola e me tornei intelectual lendo por minha conta", ele disse.

Depois dos 20 anos, Luo trabalhou em diversos empregos mal remunerados, por exemplo como vendedor de kebab. Quando chegou aos 30, sofreu uma espécie de crise da meia-idade: "Precisava encontrar um jeito de entrar para a classe média".

Foi quando ele decidiu começar a trabalhar para a New Oriental, uma conhecida empresa privada de educação, como professor de inglês. Luo conquistou alguma fama no começo da década de 2000, quando alunos gravaram suas aulas e as veicularam online. Por fim, decidiu abrir um negócio próprio, criando uma escola como a New Oriental.

Entusiasta das engenhocas, Luo disse que sempre quis criar uma empresa de tecnologia. Pôde realizar essa ambição porque, como outros jovens empreendedores chineses, encontrou relativa facilidade em atrair dinheiro do setor de capital para empreendimentos à China, e para encontrar fabricantes terceirizados baratos e competentes no país.

Por conta de sua ousadia e de seu sucesso ainda na juventude, ele conta com muitos fãs que admiram a narrativa de seu sucesso conseguido por esforço próprio, que Luo promove assiduamente. Ele também conta com muitos críticos.

"Muita gente gosta dele mas muita gente o odeia", disse Li. "Se você procurar na Internet, verá que muita gente o insulta, porque ele fala sem meias medidas".

Há quem diga que ele está só imitando o modelo de negócios da Xiaomi, e oferecendo pouco de diferente. Esses críticos têm alguma razão: o modelo de negócios da Smartisan toma de empréstimo alguns aspectos do adotado pela Xiaomi. Mas mesmo assim, analistas dizem que a empresa, bem como outras startups chinesas dos smartphones, estão seguindo um caminho novo, e causando mudança real no mercado do país.

"Acredito que, pelo menos no segmento de baixo custo, os fabricantes chineses de smartphones dominarão o mundo", escreveu Luo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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