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23/02/2016 - 12h00

​A arte do garimpo e a popularização da moda do Brechó Replay

MARIE DECLERCQ
DA VICE

Atualizado às 15h03.

Nessa onda de lojas de Instagram (que costumam ser revendas superfaturadas de roupas e acessórios da China), o Brechó Replay se destaca da multidão. O feed do brechó parece um caderno de recortes de uma adolescente do começo dos anos 2000 que é viciada em garotos, boy bands, homoerotismo e R&B.

Felipe Larozza/Vice
O casal Eduardo Costa e Gustavo Fogaroli, donos do Brechó Replay
O casal Eduardo Costa e Gustavo Fogaroli, donos do Brechó Replay, que faz sucesso no Instagram

Os modelos ostentam as peças garimpadas, se contorcem em poses corporais esquisitas e trazem toda aquela carga de saudosismo de quem viveu (ou gostaria de viver) as tendências década passada. Só que sem o cheiro de bolor.

A estética saudosista não é por acaso. Os idealizadores do Brechó Replay, que também são um casal na vida real, o cabeleireiro Eduardo Costa e o cozinheiro Gustavo Fogaroli, resgataram as doces lembranças da juventude vivida em cidades interioranas de São Paulo direto para o acervo.

"Desde adolescente já gostava de ir na casa da minha avó, fuçar o armário dela e de querer usar as coisas antigas dela. Eu sabia que não podia usar de jeito nenhum [risos], mas sempre tive essa cultura do brechó como algo vital. Não tinha grana pra comprar roupa em loja e também queria me vestir de um jeito único", relembra Gustavo.

Quando o relacionamento deles começou, o armário obviamente duplicou, tornando sem querer em um precioso acervo de peças que imprimem bem o período 1990/2000, tendência absoluta entre as it-girls de Instagram, Tumblr e nas ruas das cidades. "A gente tinha uma vibe mais étnica, então para liberar espaço a gente começou a vender algumas peças nossas em grupos de brechó masculinos no Facebook", conta o cabeleireiro.

Felipe Larozza/Vice
Gustavo Fogaroli ostenta sua coleção invejável de revistas gays
Gustavo Fogaroli ostenta sua coleção invejável de revistas gays

A conta no Instagram foi criada para vender as peças e imprimir as referências de estilo tão amadas pelo casal. Todas as peças são frutos das horas que o casal usou para desbravar brechós esquecidos e até assustadores galpões antigos onde as peças ficam empilhadas. Eles olham tudo mesmo, às vezes usando até máscara e luvas para se proteger do pó, para encontrar a roupa perfeita.

"A galera sempre tem muitos questionamentos em usar roupa de brechó", explica Eduardo, "muita gente acha que você está usando 'roupa de morto' ou acha que comprar em brechó é reservado só para pessoas com muita necessidade". Após a seleção, as roupas são higienizadas e vendidas na página à preços acessíveis.

Há alguns anos, comprar em brechó começou a ser bastante popularizado entre estudantes de moda. Agora, especialmente com o retorno da moda esporte dos anos 1990 e também as referências do começo nos anos 2000 (isto é: muita calça de cintura baixa), sair em brechós da cidade em busca de uma peça exclusiva acabou de tornando uma atividade comum de quem gosta de moda no geral.

Para o casal, a cultura de reuso precisa ir muito mais além das redes sociais e de brechós de luxo que já são populares na capital de São Paulo e, para isso, a solução é popularizar ainda mais a cultura do garimpo.

Felipe Larozza/Vice
Eduardo Costa posa com peças do acervo do brechó
Eduardo Costa posa com peças do acervo do brechó

"Resgatar uma coisa que é considerada lixo e usar de uma forma mais bacana é muito legal. Sem contar que entra uma discussão de a gente não fomentar a produção de mais coisas que não têm mais lugar para ficar", diz Eduardo.

A democratização do Brechó começa nos preços, que são bastante acessíveis em comparação à brechós mais de luxo. Gustavo argumenta que o acervo não exige um espaço próprio e também as vendas ainda acontecem de forma bem informal, o que influencia nos preços populares das peças. "Os outros brechós acabam sendo mais exclusivos e um poucos mais caros, nós queremos facilitar esse aceso. É bem adaptado à nossa realidade", explica.

"Hoje em dia temos um fluxo na moda que é muito rápido e vai variando de vibes. Então não é um preço de bazar de igreja e nem de brechó de luxo, mas é um meio termo para uma pessoa que não tem tempo de garimpar e quer se vestir legal", completa Eduardo.

Aliás, o acervo está organizado na casa onde o casal mora no centro da cidade. Num quarto colorido, coberto de pôsteres de ídolos teen que todos nós amamos na infância e com uma coleção maravilhosa de revistas gays masculinas. Assim como as fotos do brechó, a estética "quarto de adolescente" dos anos 90 se repete sem cerimônias.

Pedro Ferreira/Vice

Nas araras lotadas de peças desejáveis, Eduardo vai mostrando algumas roupas que o pessoal mais gosta de comprar (jaquetas, calças de cintura alta e muito maiô, segunde ele). Não há itens masculinos e nem femininos no acervo, uma obra do acaso já que muitas meninas procuram muito mais roupas masculinas.

A coincidência acabou facilitando para uma das discussões de acesso à moda que vira e mexe pipoca na indústria da moda sobre as fronteiras dos gêneros. "Geralmente eu olho a peça feminina para um cara e a masculina eu penso para mulher", explica Costa.

Todos os questionamentos de gênero e o acesso à moda são contadas por meio de histórias nos ensaios do Brechó. Os Replay Boys, um dos primeiros ensaios da marca, foi a impressão do que os idealizadores veem para um futuro não tão distante.

Kelvin Yule/Vice

"A gente quis fazer essa coisa de uma gangue que não é cada um retirado de uma tribo diferente, mas sim pessoas diferentes que se juntaram. Que é um futuro que a gente pensa pra São Paulo, onde existirá uma relação mais plural entre as pessoas. Foi um dos momentos que as pessoas mais se identificaram com a nossa proposta", diz Gustavo.

A quase ficção científica do Replay procura seus personagens no Instagram pela originalidade. Não há um protagonista no futuro visualizado do Brechó Replay, mas sim há chances de todos serem únicos e aptos de criarem sua própria individualidade.

"A história é tentar empoderar o oprimido e também desconstruir a posição de destaque de quem está no topo da cadeia. Não tem mais porque reproduzir discursos de exclusividade na moda ou na vida", explica Gustavo.

Eduardo completa: "Não há mais porque existir a figura da abelha rainha da moda, onde todo mundo gosta dela e ninguém pode alcançar o seu nível. Isso era um tipo de coisa muito presente na moda brasileira de 2007 até 2012. Muitas dessas pessoas que reinam nesse período continuam sendo vistas aqui como figuras importantes, o que até chega a ser cafona hoje em dia".

Alysson Alapont/Vice

Um dos primeiros trabalhos do Brechó foi toda a produção, styling (e participação) do clipe Ghetto Woman da rapper Lay. Além disso, o Brechó é aberto para colaborações de fotógrafos, artistas e outros profissionais da moda que querem brincar com a estética do Replay. Na vibe de explorar a cultura do garimpo, o casal chegou a fazer uma viagem pelo Rio de Janeiro em busca de brechós esquecidos e conhecer mais a cultura jovem da cidade.

O plano, agora, é ir além. "A gente tem um plano de tentar ir no máximo de cidades para garimpar e poder divulgar essa história de moda de brechó. A gente quer que a galera veja, que isso seja acessível, mais popular e trazer isso para todo mundo fazer sua própria vibe".

Agora que os negócios estão tomando forma, Gustavo está começando a desenvolver um projeto independente do Replay para criar assessórios vindos também da moda de reuso. Já Eduardo vai se dedicar 100% aos trabalhos do brechó.

Tanto Eduardo quanto Gustavo afirmam que são raríssimas vezes que compram itens novos em lojas. Depois de passarmos a tarde mergulhados no universo nostálgico do Brechó Replay, vendo as peças exclusivas que vestem os modelos, qualquer ida à loja de departamento mais próxima acaba ficando meio tediosa mesmo.

Leia mais na Vice: A arte do garimpo e a popularização da moda do Brechó Replay

 

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