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24/03/2013 - 05h45

Excesso de jargões toma conta da vida corporativa

DE SÃO PAULO

No vídeo publicado no YouTube "Coisas que o Mercado Fala", dentro de uma loja, uma cliente afirma, ao pagar a conta, que irá "se alavancar muito hoje" (ou seja, vai contrair dívidas) e que um par de sapatos "está dando compra" (o preço caiu).

Conheça expressões do 'corporativês'

Trata-se de um esquete encomendado pela equipe da corretora de investimentos XP em que operadores e analistas de Bolsas de Valores usam palavras típicas do mercado financeiro para situações cotidianas.

Editoria de Arte/Folhapress

Um dos analistas da empresa, William Castro Alves, 29, conta que a ideia era "fazer um vídeo engraçado e legal para que as pessoas ficassem curiosas e motivadas a entender mais sobre o mercado de capitais".

Alves afirma que, às vezes, palavras rebuscadas para conceitos simples afastam potenciais investidores.

Ele exemplifica com a sigla em inglês ROI ("return on investment", em português, retorno sobre investimentos) para se referir a quanto alguém está ganhando de dinheiro em relação ao capital investido.

A criação de palavras ou expressões dentro de um grupo de trabalhadores "está aumentando", diz a professora Leila Barbara, da PUC-SP, que dá aulas no programa de pós-graduação em linguística aplicada.

Barbara aponta um "suspeito": a tecnologia. "Antes, conversava-se com quem estava perto. Hoje, fala-se com quem quiser no mundo. Todos querem facilitar o diálogo com pessoas de outros países. Então, imita-se um pouco para, depois, usar a palavra por aí."

"Essas palavras têm praticidade. É uma forma de dizer algo mais rapidamente", diz Renê Coppe Pimentel, coordenador do MBA de finanças da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Mas o uso exagerado, ele diz, soa forçado e "tem gente que faz isso, sim".

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Os trabalhadores de finanças não são exceção: no mundo do trabalho, cada segmento tem suas expressões próprias que não fazem sentido fora dos círculos de profissionais, diz a professora titular da faculdade de letras da USP Ieda Maria Alves.

IDENTIDADE

Diego Bitencourt Contezini, 27, sócio da Informant, um laboratório de desenvolvimento de softwares, diz que usa termos em inglês, em muitos casos, "por comodismo mesmo, mesmo que existam equivalentes em português; é feio, mas acontece."

Ele explica que muitos termos têm origem em metodologias e novas tecnologias que são batizadas em inglês e depois entram no cotidiano.

Contezini dá o exemplo do termo "sprint" que, em inglês, originalmente se refere a uma corrida de velocidade, mas que, por causa de uma metodologia comum entre profissionais de TI cujo nome é "scrum", é empregado no sentido de um espaço de tempo de duração variável.

"A conversa entre duas pessoas da área da TI é ininteligível para quem é de fora. É hermético de propósito", diz Tales Andreassi, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e colunista da Folha. Ele considera que profissionais de uma determinada área têm esse hábito para criar uma identidade e, às vezes, proteger conhecimento.

É a mesma motivação para o surgimento de gírias entre adolescentes, afirma a professora Barbara.

"Eles [adolescentes] não sabem por que inventam gírias, mas é para buscar identidade, e isso é importante. Quem não usa [novos termos] quer ser enxergado como pessoa culta ou tem medo de ser visto como ignorante, mas é melhor se acostumar."

DE LÁ PARA CÁ

Os especialistas apontam alguns mecanismos pelos quais palavras ou expressões são criadas. O mais comum chama-se "decalque", que é uma adaptação de outra língua -geralmente, do inglês.

O mais frequente, aponta Barbara, é "transformar palavras [de outro idioma] em verbo, sempre em primeira conjugação".

Ricardo Barcelos, 37, sócio da consultoria de RH Havik e "headhunter" (recrutador e selecionador) conta que usa um verbo assim: "huntear". Significa buscar um profissional que já está empregado em uma organização. A origem é justamente a expressão usada para designar a profissão dele.

Ele lista outros termos que nasceram da mesma maneira, como "performar".

"É assim que a língua muda seu vocabulário e a própria sintaxe", afirma a professora da PUC, que diz achar esses decalques "divertidos".

Alves também afirma que essas palavras tendem a ser incorporadas pelo português, principalmente quando não há "concorrentes".

Ela diz que, por esse processo, também se criam "monstrinhos". E usa como exemplo "experienciar", do inglês "to experience", que já possui um equivalente em português: experimentar.

Não são somente decalques ou neologismos as palavras que entram na moda no mundo corporativo.

Expressões em português passam a ser usadas para designar conceitos diferentes.

Muitas vezes, afirma a professora Alves, é uma maneira de atenuar uma relação.

"'Colaborador' é uma denominação mais amigável do que 'meu empregado', pois não marca tanto a relação de superioridade."

Ela diz que a tendência é semelhante à de chamar um surdo de portador de deficiência auditiva.

"Trata-se de uma sinalização de que o modelo de gestão mudou. É o que acontece quando dizem que [uma empresa] não tem chefes, mas, sim, líderes. O líder tem que cuidar das pessoas", afirma o professor da FGV João Baptista Brandão.

Brandão adiciona, no entanto, que algumas empresas que usam essas palavras corriqueiramente "claramente não têm práticas condizentes [com esses conceitos], e isso acaba pegando até mal, porque os trabalhadores não são burros e percebem a falta de sintonia com o discurso".

INVENTA AÍ

"A gente cria expressões ou nomes para designar algumas ideias que queremos inspirar", admite Lucas Liedke, 30, diretor do núcleo de tendências da Box 1824, uma empresa especializada em pesquisa de comportamento para o mercado publicitário.

Ele conta que o propósito da Box 1824 é ir atrás de hábitos, padrões e ideias ainda pouco difundidos que, muitas vezes, ainda não receberam um nome. Por isso, eles mesmos os batizam.

Para achar palavras ou expressões adequadas, diz Liedke, eles fazem um "brainstorm" na agência.

Ele diz ter criado a expressão "consumo do conhecimento" para serviços que entregam dados junto com um produto (por exemplo, as recomendações de títulos que um cliente da livraria digital Amazon recebe depois de comprar lá).

"Muitas vezes são nomes em inglês", afirma Liedke.

A língua estrangeira é usada cotidianamente na empresa muitas vezes com adaptações às necessidades dos publicitários.

Ao estudar o consumo de um novo produto, eles separam potenciais clientes entre os "mainstream" (corrente principal), que são a massa de potenciais compradores, e os "alfa" ou "early adopters", que são os pioneiros no uso da novidade.

"Em marketing, propaganda e outras áreas relacionadas é bem comum haver criação de termos", diz Marcelo Pontes, professor da ESPM.

Ele afirma que nem só conceitos inéditos ganham neologismos, mas, às vezes, "algo velho ganha uma roupagem nova". Ele dá como exemplo "storytelling" (contação de historias em inglês). "Não que seja bobagem, mas não é uma novidade. O nome e a inserção em novos segmentos, sim, são novos", diz.

 

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