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27/06/2015 - 10h00

Cidade siciliana oferece casas gratuitas a forasteiros

ELISABETTA POVOLEDO
DO "NEW YORK TIMES", EM GANGI, SICÍLIA

Você está procurando casa? Uma cidade siciliana está fazendo uma oferta difícil de recusar: Gangi está distribuindo casas gratuitamente.

É claro que há um porém: as casas da pitoresca Gangi, cidadezinha nos montes Madonie, estão, em geral, dilapidadas, e algumas estão abandonadas há gerações.

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Mas a oferta já atraiu dezenas de pessoas de todo o mundo em busca de casas de férias. A abordagem inovadora de Gangi criou novas oportunidades para os construtores e os trabalhadores locais, e ao mesmo tempo energizou o turismo.

"Para nossa mentalidade siciliana, Gangi era considerada como distante demais do mar" para que interessasse aos turistas, disse Giuseppe Ferrarello, o prefeito da cidade, que fica em uma estradinha sinuosa entre Palermo e Catania.

A iniciativa de habitação, disse ele, "fez funcionar um mecanismo até então impensável para uma cidade do centro da Sicília", uma região na qual as cidades encolheram com as perspectivas econômicas minguantes da região.

Gianni Cipriano/The New York Times
Homem caminha pelo centro histórico de Gangi, na Sicília
Homem caminha pelo centro histórico de Gangi, na Sicília; cidade oferece casas gratuitas, mas que demandam reforma

Gangi tinha população de cerca de 16 mil pessoas nos anos 1950, segundo o prefeito. Hoje, abriga cerca de 7.000.

Ondas periódicas de emigração começaram a acontecer em Gangi desde o final do século 19, propelidas menos pelas dificuldades econômicas, "endêmicas na área dos montes Madonie", do que por agentes de companhias de navegação transatlântica que divulgavam na cidade as perspectivas de uma vida melhor nos Estados Unidos, disse Marcello Saija, diretor de uma rede de museus sobre a emigração na Sicília.

Na década de 1890, uma cidade próxima a Gangi contava com não menos que três agentes representando diversas companhias de navegação que "promoviam vigorosamente a emigração", disse Saija. "A situação econômica não era florescente, claro, pelo contrário. Mas o que determinou a partida daquelas pessoas foi a força do sonho americano".

Os registros de chegada de imigrantes da ilha Ellis, em Nova York, mostram que cerca de 1.700 moradores de Gangi aportaram na cidade entre 1892 e 1924, ele diz. A partir dos anos 1930 e 1940 do século 20, a Argentina se tornou o destino preferido para os moradores da cidade.

Muitas das casas de família abandonadas são as chamadas pagglialore, típicas da cidade. As estruturas quadradas, com cara de torres, abrigavam burros em seus pavimentos térreos, cujo piso era revestido de "paglia", palha. Galinhas e cabras viviam no segundo pavimento. A família do agricultor ocupava o piso superior.

PARA TODOS?

Essas estruturas estão entre aquelas que a cidade está oferecendo, com o governo local agindo como uma espécie de corretor de imóveis, facilitando a convergência entre a oferta considerável de moradias abandonadas na cidade e a crescente demanda. Algumas das casas foram doadas, outras vendidas por preço nominal. Os proprietários dos imóveis é que decidem.

A comunidade foi um passo além –um passo crucial. Ela facilitou a complicada, muitas vezes intransponível, burocracia que acompanha a compra e reforma de uma casa na Itália, simplificando radicalmente os procedimentos para a obtenção de alvarás e outras licenças.

"A burocracia é o que mais preocupa as pessoas, mas não nos limitamos a vender a casa e deixar as pessoas desamparadas depois", disse Alessandro Cilibrasi, um corretor local de imóveis que ajuda o governo municipal em sua iniciativa.

Um site para investidores britânicos (www.shelteroffshore.com) aconselha os aspirantes a compradores a obter assessoria de advogados locais que falem inglês ou de advogados não italianos bem familiarizados com a legislação siciliana. Se um imóvel foi herdado ao longo de gerações, "o caminho da propriedade nem sempre é claro", e pode haver impostos, dívidas e empréstimos não saldados a quitar.

Os custos de construção e de reforma também podem ser altos. "A Sicília não é para todos", o site alerta.

Gianni Cipriano/The New York Times
A porta velha de uma casa abandonada foi colocada na cozinha durante a restauração da residência, em Gangi
A porta velha de uma casa abandonada foi colocada na cozinha durante a restauração da residência, em Gangi

Mas até o momento, a resposta de Gangi à perda de população vem obtendo mais sucesso do que os planos recentes de outros lugares. Mais de 100 casas foram doadas ou vendidas por preços inferiores aos de mercado.

Alguns anos atrás, a cidade siciliana de Salemi anunciou, com muito alarde, que venderia por um euro cada edificação destruída por um terremoto em 1968. Mas a cidade jamais cumpriu a promessa, disse o atual prefeito de Salemi, Domenico Venutti, que deseja retomar o projeto. "Mas não vamos fazer um anúncio oficial até que tenhamos alguma coisa a oferecer", ele acrescentou.

Carrera Ligure, uma cidade na região do Piemonte que viu sua população cair em dois terços, para 900 pessoas, nos últimos 100 anos, é mais um município que tentou ceder edificações abandonadas para se repopular, "e também para arrecadar algum dinheiro em forma de impostos", disse o ex-prefeito Guido Gozzano.

Mas esses esforços foram prejudicados por "imensos problemas burocráticos", ele disse, apontando que a desapropriação de imóveis pode ser "extremamente difícil", especialmente quando existem diversos herdeiros envolvidos.

De qualquer forma, ele afirmou, assim que um governo municipal toma posse de uma edificação, a lei dispõe que ela só pode ser vendida a preços competitivos de mercado, e não a um preço simbólico. A iniciativa não demorou a afundar.

MEDIADORA

Gangi contornou essa dificuldade ao não adquirir diretamente qualquer das casas envolvidas, e ao agir apenas como mediadora entre os proprietários legais e os potenciais compradores. No caso de herdeiros múltiplos e potencialmente hostis uns aos outros, "a prefeitura tentou desempenhar um papel de conciliação", disse o prefeito Ferrarello.

Cerca de metade dos novos proprietários em Gangi são sicilianos que estavam em busca de casas pacíficas para os finais de semana, diz Michele Di Marco, empresário de Palermo que se deixou atrair pelo ritmo relaxado da cidade, que faz recordar uma era menos frenética. "Amo essas cidades que personificam o que havia de melhor na Sicília do passado". Incentivos financeiros oferecidos pelo governo regional e nacional ajudaram a cobrir os custos, ele disse.

Os demais novos proprietários são primariamente italianos, ainda que haja compradores de diversos países europeus e um de Abu Dhabi (Emirados Árabes). Muitos deles usaram trabalhadores de Gangi para as reformas, o que estimulou consideravelmente a economia local.

"O efeito secundário é o uso de trabalhadores locais em uma área na qual o setor de construção estava estagnado há anos", disse Girolamo Vitellaro, engenheiro da cidade siciliana de Caltanissetta e uma das primeiras pessoas a receber uma casa. "Os trabalhadores daqui são muito qualificados, e têm talentos especializados", além de compreenderem os modelos de construção típicos de Gangi, ele disse.

SELEÇÃO

Existe uma lista de espera considerável para as 200 casas remanescentes, o que significa que a prefeitura poderá ser mais seletiva quanto a futuros moradores.

"Não queremos pessoas só porque elas têm dinheiro", disse Ferrarello. "Queremos saber o que vão fazer com as casas. Queremos criar um sistema para Gangi".

Quem desejar criar um negócio na cidade receberá prioridade, ele disse, mencionando a Wendhers SRL, companhia florentina que recebeu duas casas gratuitas e comprou outras sete para criar o que será um hotel de 22 suítes no centro histórico da cidade.

"Existe grande energia em Gangi", disse Michele Principe, um dos diretores da Wendhers.

O prefeito gosta de se gabar de que basta explorar as belezas naturais e culturais que a cidade tem a oferecer para atrair pessoas a Gangi. "A Úmbria não tem coisa alguma de melhor que a Sicília", diz Ferrarello.

Mas a iniciativa de venda de casas tem mais a ver com pensar no futuro. "Fizemos o que fizemos pelos nossos filhos, porque amamos nosso território", disse Ferrarello. "E queremos que nossos filhos vivam aqui, e não partam".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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