As sensações de guiar um carro de corrida no autódromo de Paul Ricard
Fábio Seixas
Enviado a Le Castellet (França)
Pilotei um F-1. Essa foi a frase que repeti para mim mesmo, debaixo daquele capacete preto e dourado, enquanto aguardava a chegada do resgate. Uma tentativa de acreditar naquilo que havia acabado de acontecer.
Sim, resgate. Além de pilotar, tive a sensação de rodar com um F-1. Serviço completo; voltar para os boxes são e salvo não teria graça.
Já tinha andado de carona com Lucas di Grassi num fórmula de dois lugares, mas só ao volante de um F-1 compreendi o que leva esses sujeitos a colocarem suas vidas em risco 20 domingos por ano.
O ronco do motor é agressivo, a aderência dos pneus impressiona, o coice a cada troca de marchas assusta no começo, o volante é sensível, o pedal de freio é duro e a velocidade é excitante.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Aconteceu na última quarta-feira, em um lugar mítico para aqueles que acompanhavam automobilismo nos anos 1970 e 1980: o circuito de Paul Ricard, em Le Castellet, no sul da França.
Construído por um milionário francês que se auto-homenageou batizando o lugar e hoje propriedade de um trilhardário inglês -Bernie Ecclestone, o chefão comercial da F-1-, o autódromo recebeu 14 GPs de F-1 entre 1971 e 1990. Saiu de cena para dar lugar a Magny-Cours, manobra do então primeiro-ministro francês François Mitterrand, que tinha naquela região seu berço político.
"Este circuito poderia tranquilamente receber a F-1", disse Emerson Fittipaldi, que nos recebeu ainda antes das 8h de uma manhã que começou fria. A frase não expõe ressentimentos com o lugar: em seis corridas lá, ele abandonou quatro e chegou no máximo em terceiro lugar.
Na véspera, o bicampeão de F-1 havia andado com um Renault da temporada 2010. Pergunto qual é a manha da pista. "Pega leve", ele responde.
O programa de pilotagem é rigoroso e surgiu com a Renault e hoje é comandado pela Lotus, que assumiu a equipe de F-1 quando a montadora francesa decidiu ser apenas fornecedora de motores.
Com 40 dias de antecedência, assinei um atestado assumindo as responsabilidades pelo que acontecesse comigo e preenchi um questionário com informações médicas.
No dia D, as horas demoraram a passar até sentar no F-1. Tudo começou com uma volta (de van) pelo traçado de 3.853 m, uma das opções oferecidas em Paul Ricard.
Já de macacão, passei primeiro por um simulador de cockpit, para me acostumar com a postura ao volante.
Depois fui para um cockpit real, onde conheci o posicionamento dos pedais -muitíssimo próximos um do outro.
A primeira experiência na pista foi com um F-Renault 2.0, de 480 kg e motor de 185 cv. Primeiro andei atrás de um "safety car", depois fiquei à vontade para pisar fundo.
Seguiram-se sessões de massagem e de batak, aparelho que testa a reação a luzes, usado para aprimorar a visão periférica. No almoço, salada e massa.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
COMO EM MÔNACO
Veio o briefing sobre o F-1 que estava à minha espera: um Benetton de 2001 pintado nas cores do Lotus E21 da temporada atual, com asa dianteira de 2005 e configuração aerodinâmica para Mônaco.
Ou seja: asa traseira monstruosa (para grudar o carro no chão e lhe conferir mais estabilidade), câmbio de seis marchas sequencial e motor V10 (cerca de 700 cv) empurrando um conjunto de 580 kg -mais os meus 72 kg, claro.
"Aproveite, não pense que isso é uma corrida. Ninguém aqui vai assinar contrato com a equipe no fim do dia. Lembre-se que automobilismo é um esporte perigoso e que você está sozinho no carro. Depois disso, você nunca mais verá a F-1 do mesmo jeito", disse o instrutor.
Eram 15h33 quando chamaram meu nome. Fazia 27,4°C e o céu estava azul.
Repassei mentalmente cada passo para sair com o carro: dar duas bombadas no acelerador assim que o motor fosse acionado; pisar na embreagem; com a borboleta da mão direita, achar a segunda marcha; levantar o pé esquerdo progressivamente enquanto o direito fizesse o caminho inverso. Era importante não dar solavancos.
Veio o motor de arranque externo. Depois, o sinal do instrutor para que eu partisse. Saí em primeira, mas logo engatei a segunda.
Ganhar a reta dos boxes ao volante de um F-1 preto e dourado foi um sonho. "Não acredito", repetia para mim mesmo.
Após uma série de curvas em terceira marcha, vem um pedaço da Mistral, reta que chegou a ter 1.800 m nos bons tempos. Foi onde alcancei 220 km/h, segundo a telemetria. Com um carro tão rente ao chão, pareceu muito mais.
Veio a Signes, curva mais veloz da pista, que não aprendi a fazer na tangência ideal de jeito nenhum. Depois a Beuasset, a Village, a Tour e a Curva da Ponte.
Ali cometi um erro para o qual Emerson e o instrutor haviam alertado. Contornei essa curva em segunda marcha e pisei forte cedo demais, já louco para rasgar a reta dos boxes. Não peguei leve. Perdi a traseira, o carro rodou, o motor morreu. Só restava esperar o resgate. E até isso foi bacana.
Em meio à fumaça dos pneus, tive a certeza de agora entender um pouco mais do universo que há tanto tempo acompanho. Pilotei um F-1.
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