Investidores apostam em 'comida de última geração'
JENNA WORTHAM
CLAIRE CAIN MILLER
DO "NEW YORK TIMES"
E se a próxima grande novidade da tecnologia não chegar pelo smartphone ou pela computação em nuvem? E se ela chegar pelo prato? A ideia é convencer um amplo grupo de investidores do Vale do Silício a investir pesado em comida.
Em alguns casos, o objetivo está na conexão entre restaurantes e fornecedores de ingredientes ou na criação de serviços de entrega de produtos de fazendas locais ou de refeições prontas.
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Em outros, o objetivo é inventar novas comidas, por exemplo substitutos de base vegetais para queijo, carne bovina e ovos. Como estamos falando de dinheiro do Vale do Silício, no entanto, o objetivo principal é grandioso: transformar a indústria da alimentação.
Bryce Vickmark/The New York Times | ||
Doces com baixo teor de açúcar feitos pela empresa Unreal |
"Parte do motivo para que estejamos vendo tanto interesse do setor do capital de risco em comida é que a indústria da alimentação não é só imensa: como a de energia, tem problemas terríveis em termos de impacto ambiental, saúde e uso animais", diz Josh Tetrick, fundador e presidente-executivo da Hampton Creek Foods, uma start-up (empresa iniciante de base tecnológica) que está tentando desenvolver alternativas ao uso de ovos.
Alguns investidores afirmam que as empresas iniciantes do setor de alimentos se enquadram em suas carteiras de sustentabilidade, em conjunto com companhias de energia solar ou de carros elétricos, porque o objetivo delas é reduzir o impacto que a fabricação de produtos de base animal tem sobre o meio ambiente.
Para outros, elas se enquadram na mesma categoria que os investimentos no setor de saúde, como aparelhos para exercícios físico e aplicativos de monitoramento dos batimentos cardíacos.
Ainda outros estão ansiosos por enfrentar problemas reais, em lugar de criar jogos virtuais de administração de fazendas ou descobrir modos de convencer os internautas a clicar em anúncios.
"Há consequências ambientais e questões de saúde bastante significativas associadas ao sódio, ou ao xarope de milho com alta frutose ou ao consumo excessivo de carne vermelha", diz Samir Kaul, sócio da Khosla Ventures, que tem investimentos em meia dúzia de start-ups de alimentos.
DINHEIRO
No ano passado, as empresas de capital de risco do Vale do Silício canalizaram cerca de US$ 350 milhões para projetos de alimentação. Em 2008, o valor foi inferior a US$ 50 milhões.
O valor representa apenas uma pequena fatia dos US$ 30 bilhões que o setor de capital de risco investe anualmente, mas basta para bancar diversas empresas iniciantes no ramo de alimentação.
As companhias de capital risco que estão ajudando a capitalizar esses negócios incluem alguns dos nomes mais famosos do setor, além da Khosla: SV Angel, Kleiner Perkins Caufield & Byers, True Ventures e Obvious Collection. Celebridades do cinema (Matt Damon), do esporte (Tom Brady) e do mundo da tecnologia (Bill Gates) também estão aderindo.
"Os consumidores estão em interessados em experiências sofisticadas, com uma bela apresentação, como vimos acontecer com a web e com produtos como o iPhone", diz Tony Conrad, sócio da True Ventures, que foi um dos primeiros investidores na companhia de café Blue Bottle. "Agora, estamos vendo o mesmo nos alimentos e bebidas".
Ainda assim, alguns analistas estão céticos quanto à possibilidade de que essas companhias, com suas fábricas e produtos perecíveis, sejam capazes de atingir a escala e o valor de mercado das grandes empresas de internet.
"Não vejo um negócio bilionário surgindo de qualquer dessas empresas", diz Susan Ettinger, analista do Altimeter Group, que assessora companhias sobre o uso de tecnologia. "A maioria dos norte-americanos simplesmente não consumirá [os produtos]. São produtos caros demais para eles".
COMIDA NOVA
Essa mais recente onda de start-ups quer usar a tecnologia para mudar a maneira pela qual as pessoas compram comida e, em certos casos, para inventar alimentos completamente novos. Os investidores também estão ávidos por lucrar com o movimento pela substituição da comida de origem animal e com o avanço dos alimentos orgânicos. Mas enfrentam uma contradição, porque esse movimento também rejeita os alimentos processados e recusa claramente a alta tecnologia.
"Não estamos falando de comida Frankenstein", diz Kaul. "Tomamos cuidado para que as ideias não tenham cara de trabalho escolar de ciências. Com certeza existe tecnologia nelas".
A Hampton Creek Foods, de San Francisco, por exemplo, usa cerca de uma dúzia de plantas, entre as quais ervilhas, sorgo e um tipo de feijão, com propriedades semelhantes aos ovos para desenvolver um substituto para os ovos.
Tetrick, o fundador da empresa, a criou depois de trabalhar no combate à pobreza na África subsaariana. Contratou um químico especialista em proteínas, um cientista de alimentos, um executivo de vendas da Heinz e um participante do game show de culinária "Top Chef".
Duas grandes empresas de alimentos estão usando o substituto para ovos desenvolvido por sua companhia para produzir biscoitos e maionese e ele diz que o produto deve chegar ao mercado consumidor no mês que vem.
A Unreal, sediada em Boston, produz doces que seus fundadores dizem não conter colorantes ou flavorizantes artificiais, conservantes, gorduras hidrogenadas ou ingredientes geneticamente modificados, com pelo menos 25% menos açúcar do que doces semelhantes vendidos no mercado, e com mais proteína e fibras. Os doces estão à venda em lojas como as cadeias CVS e Target.
ENTRAVES
Ainda assim, as empresas iniciantes de alimentos têm desafios próprios a enfrentar que os investidores e empresários de tecnologia desconhecem, como a quebra de um caminhão de entregas ou receber ostras estragadas. Revezes como esses podem ser mais difíceis de enfrentar que um defeito de software.
Nos dias iniciais do Plated, um site que vende kits de jantares completos com receitas como hambúrgueres de carne de cordeiro à moda grega e salada de pepino, os proprietários investiram US$ 15 mil na instalação de um armazém refrigerado, mas descobriram ao final do processo que a temperatura não caía para menos de 21 graus e, portanto, o local não podia ser usado para armazenar alimentos perecíveis.
"Tivemos de registrar aquele gasto como prejuízo", diz Nick Taranto, um dos fundadores.
Bill Maris, sócio do Google Ventures, a divisão de capital de risco do gigante das buscas, ainda não investiu no setor de alimentação, mas disse estar acompanhando a tendência de perto.
Ele disse que "as start-ups são imprevisíveis e todas essas empresas estão tentando explorar novas tecnologias e mercados em mutação". "em 2000, as mesmas questões eram feitas sobre o YouTube e ninguém sabia como o site poderia funcionar, quanto mais se tornar um negócio viável".
Tradução de Paulo Migliacci
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